
Desde que Cristo falou “Quem me vê a mim vê o Pai” (João 14:9), nossos corações são convidados a descansar no mistério de que, ao contemplarmos a face de Jesus, encontramos o próprio Deus. Não se trata de uma proposição intelectual, mas de um convite ao mais profundo encontro de amor: conhecer Aquele que nos introduz na presença do Pai.
Em momentos de incerteza, quando desejamos sinais grandiosos, lembramo-nos do alerta do puritano Thomas Watson, que nos adverte contra o anseio por aparências sensoriais: “O coração natural busca manifestações visíveis, mas Deus se revela no Evangelho, onde Cristo é o sumo objeto da fé.” Assim, cada palavra do nosso Redentor ecoa não apenas em nossos ouvidos, mas em nosso espírito, pois Ele fala as palavras do Pai que vive em Sua própria carne (Jo 14:10).
Quando nos reunimos para celebrar a Ceia do Senhor, esse mistério se torna visível de modo singular. Ao partir o pão e repartir o cálice, proclamamos a obra de Cristo: Seu corpo entregue e Seu sangue derramado para remissão dos nossos pecados. Como ensinou o puritano Richard Sibbes, “Cristo é o espelho polido onde se reflete a glória de Deus”; na Mesa do Senhor, contemplamos essa glória que a cruz manifestou.
João Calvino nos lembra que o Sacramento não é apenas um símbolo externo, mas “um selo espiritual, pelo qual somos confirmados na promessa da graça e somos nutridos de modo real com o corpo e o sangue de Cristo”. É pela fé que participamos deste banquete celestial e somos fortalecidos na união com nosso Redentor. Já Hughes Oliphant Old, em sua obra Holy Communion in the Piety of the Reformed Church (A Santa Comunhão na Piedade da Igreja Reformada), observa que “a Ceia do Senhor é, de fato, o sacramento central da igreja reformada, onde a comunidade—por meio de sinais visíveis—entra em comunhão mística com Cristo, recebendo dele vida e alimento espiritual”.
John Owen, conhecido como o “príncipe dos puritanos” ao meditar nesse mistério, escreveu que “em Cristo temos o retrato exato da glória de Deus; contemplá-lo é ver a própria face do Pai.” E, na mesa do Senhor, essa contemplação ganha forma: o alimento sacramental não é mero símbolo, mas instrumento de graça que nos une ao Redentor e, por Ele, ao Pai. A fé não repousa em palavras humanas, mas na certeza de que o próprio Deus, invisível por natureza, se faz visível em Cristo e nos alcança pelos meios de graça.
Que a devocional dessa semana nos leve a uma postura de adoração silenciosa e confiante. Ao contemplar o Cristo na Palavra e ao participar dos sacramentos, projetamos nossos olhos não para sinais mirabolantes, mas para Aquele que, por amor, se entregou por nós. E, como nos exortou Thomas Watson, cultivemos “momentos de meditação onde contemplamos a beleza de Cristo”, permitindo que nossa alma seja alimentada pela vida que Ele dá.
Oração Final
Senhor Jesus, que nos revelaste o Pai em teu rosto e nos alimentas com teu próprio corpo e sangue, concede-nos graça para aproximar-nos da Mesa com corações arrependidos e cheios de fé. Que ao partirmos o pão e bebermos do cálice, sejamos renovados em nossa comunhão contigo e entre nós, refletindo em nossas vidas a glória daquele que se entregou por amor. Fortalece-nos pelo teu Espírito para vivermos em conformidade com o teu Santo Evangelho, até o dia em que, livres de toda imperfeição, nos reunirmos contigo na ceia eterna do céu. Em Teu nome oramos, amém!
Pr. Alan Kleber
WATSON, Thomas. The Knowledge of God and Ourselves. Banner of Truth Trust, 1991. Capítulo 2, pp. 23–24.
SIBBES, Richard. The Bruised Reed and Smoking Flax. Banner of Truth Trust, 1990. Sermão IV, p. 45.
CALVINO, João. Institutas da Religião Cristã. Livro IV, Capítulo 17.
OLD, Hughes Oliphant. Holy Communion in the Piety of the Reformed Church. Eerdmans, 2007. p. 35.
OWEN, John. The Glory of Christ. Banner of Truth Trust, 1978. p. 29.