Relevo danificado na Catedral de Utrecht, durante a revolta iconoclasta em 1566, na Holanda.
O puritano Richard Baxter (1615-1691) disse certa vez:
“É simplesmente incrível quanto terreno o diabo toma uma vez que ele faz do pecado uma questão de controvérsia: quando alguns têm uma mente e alguns outra; quando você é de uma opinião e eu sou de outra”.
Em nenhum lugar isso é mais aparente do que quando discutimos o uso de imagens na oração. Recebemos ordens diretas sobre isso, mas as ordens vão contra algo que está no fundo do coração humano, e por isso se tornou controverso.
O apóstolo João adverte seus filhos para ficarem longe dos ídolos, e ele faz isso porque (presumivelmente) era possível que os verdadeiros cristãos não quisessem fazê-lo:
“Filhinhos, guardai-vos dos ídolos” (1 João 5:21).
Sendo assim, devemos distinguir os vários tipos de idolatria. Devemos entender que idolatria é como colocar uma coisa criada onde apenas o Deus incriado deveria estar. Isso claramente acontece sempre que imagens são usadas na oração, mas as imagens não necessariamente precisam estar envolvidas. A idolatria é mais sutil do que isso.
1. Idolatria sem imagens. O apóstolo Paulo nos diz em um aparte que a avareza é idolatria:
“Fazei, pois, morrer a vossa natureza terrena: prostituição, impureza, paixão lasciva, desejo maligno e a avareza, que é idolatria”(Colossenses 3:5).
Isso significa que os objetos do desejo cobiçoso de um homem passaram a ocupar o lugar de devoção em seu coração que somente Deus deveria ocupar. Não achamos que isso aconteça apenas se o homem avarento começar a acender velas devotas na frente de sua conta corrente.
O fato de essa idolatria ser uma “igreja inferior” não a impede de ser idolatria. E dada a natureza da cobiça, podemos ver que a idolatria pode se estender a qualquer coisa – se o meu próximo pode ter alguma coisa em vez de mim, eu posso cobiçá-la (Êxodo 20:17). E quando eu faço isso é idolatria.
Os ídolos do coração são realmente difíceis de esmagar. O coração é enganosamente perverso e está totalmente à altura do desafio, por exemplo, de transformar até mesmo a iconoclastia (rejeição à imagens religiosas) em um ídolo. Quando isso acontece, o ídolo olha de soslaio, de sua estante intelectual no templo da razão, como se dissesse: “Pegue-me agora”.
Esse tipo de idolatria gananciosa não precisa de imagens, mas não é de surpreender que ainda assim goste delas. Não se debruçam os gananciosos sobre catálogos cheios de desejos? Uma mulher piedosa olhando para um catálogo faz apenas compras. Uma mulher avarenta debruçada sobre um catálogo está adorando.
Aliás, é por isso que o uso da pornografia é claramente idólatra. A cobiça está bem aí, ela é idolatria. E qualquer que seja o ícone em que você clicar em sua área de trabalho, deve ser a imagem de um homem se curvando diante de uma Astarote rechonchuda.
2. Idolatria como tráfico de falsos deuses. A Escritura nos ensina claramente que também é idolatria adorar falsos deuses (que realmente existem) por meio imagens:
“Não vos virareis para os ídolos, nem vos fareis deuses de fundição. Eu sou o SENHOR, vosso Deus” (Levítico 19:4).
Nesse caso, o problema não são as imagens, o problema é o que elas representam. Os próprios deuses não se importam com essas imagens; eles as encorajam. As imagens realmente representam o falso.
No vocabulário bíblico, deuses falsos não são a mesma coisa que deuses inexistentes. Havia realidades espirituais por trás dessas imagens.
“No tocante à comida sacrificada a ídolos, sabemos que o ídolo, de si mesmo, nada é no mundo e que não há senão um só Deus. Porque, ainda que há também alguns que se chamem deuses, quer no céu ou sobre a terra, como há muitos deuses e muitos senhores, todavia, para nós há um só Deus, o Pai, de quem são todas as coisas e para quem existimos; e um só Senhor, Jesus Cristo, pelo qual são todas as coisas, e nós também, por ele” (1 Coríntios 8:4-6).
O apóstolo Paulo está dizendo que para os crentes há apenas um Deus. Ele reconhece que existem “muitos deuses e muitos senhores” por aí, mas na linguagem bíblica, esses são demônios, não seres divinos:
“Antes, digo que as coisas que eles sacrificam, é a demônios que as sacrificam e não a Deus; e eu não quero que vos torneis associados aos demônios” (1 Coríntios 10:20).
Demônios não são inexistentes. Ao mesmo tempo, eles não são o que dizem ser. O exemplo mais claro disso é quando Paulo expulsa o espírito de uma menina em Filipos (Atos 16:16). O grego original diz que ela estava possuída pelo espírito de uma Python (πυθων), tornando-a devota do deus Apolo. Ou, como diria um cristão, possuída por demônios.
Com tamanha idolatria, as imagens não são rejeitadas por serem imprecisas, mas por serem representações precisas de deuses terríveis. Para o idólatra, elas são precisas porque abrem o caminho para “realidades espirituais”, o que realmente fazem. Para o crente fiel, elas são precisas porque são madeira e pedra impotentes, representando com precisão a impotência final das realidades espirituais por trás delas:
“Tais árvores servem ao homem para queimar; com parte de sua madeira se aquenta e coze o pão; e também faz um deus e se prostra diante dele, esculpe uma imagem e se ajoelha diante dela” (Is. 44:15).
“Têm boca e não falam; têm olhos e não vêem; têm ouvidos e não ouvem; têm nariz e não cheiram. Suas mãos não apalpam; seus pés não andam; som nenhum lhes sai da garganta. Tornem-se semelhantes a eles os que os fazem e quantos neles confiam” (Sl. 115:5-8).
3. Idolatria como superstição. Não quero gastar muito tempo aqui, porque esta não é uma categoria bíblica significativa. Mas, suponha que alguém inventasse um pequeno deus “Papelão” ou usasse uma estatueta de Garrafa Pet para representar o “espírito da reciclagem” ou algo assim em suas meditações matinais no templo da sustentabilidade. Essas coisas não teriam realidades espirituais por trás delas e seriam apenas tolas. Entretanto, elas ainda seriam idolatria – no mínimo, seriam idolatria em um primeiro senso das coisas.
4. Idolatria como adoração ao verdadeiro Deus por meio de imagens. Observe o que Arão diz quando convoca um festival em torno do bezerro de ouro.
“Este, recebendo-as das suas mãos, trabalhou o ouro com buril e fez dele um bezerro fundido. Então, disseram: São estes, ó Israel, os teus deuses, que te tiraram da terra do Egito. Arão, vendo isso, edificou um altar diante dele e, apregoando, disse: Amanhã, será festa ao SENHOR. No dia seguinte, madrugaram, e ofereceram holocaustos, e trouxeram ofertas pacíficas; e o povo assentou-se para comer e beber e levantou-se para divertir-se” (Êxodo 32:4-6).
Assim, podemos distinguir a adoração de falsos deuses com imagens verdadeiras (#2) da adoração ao verdadeiro Deus com imagens falsas (#4). Mas, esta não é uma distinção entre idolatria e não-idolatria. A Bíblia condena as duas práticas, e nos mesmos termos. Quando o povo de Israel foi proibido de fazer imagens, eles foram proibidos de fazer imagens do Deus verdadeiro tanto quanto qualquer outra coisa na criação a que pudessem se curvar em nome de um deus falso:
“Então, o SENHOR vos falou do meio do fogo; a voz das palavras ouvistes; porém, além da voz, não vistes aparência nenhuma” (Deuteronômio 4:12).
Sabemos disso porque, quando o apóstolo Paulo discute o incidente do bezerro de ouro, ele chama essa adoração ao Senhor de idolatria.
“Não vos façais, pois, idólatras, como alguns deles; porquanto está escrito: O povo assentou-se para comer e beber e levantou-se para divertir-se. E não pratiquemos imoralidade, como alguns deles o fizeram, e caíram, num só dia, vinte e três mil” (1 Coríntios 10:7-8).
Assim, o apóstolo Paulo condena uma certa forma de adoração ao Senhor Deus como idolatria, pela presença do bezerro de ouro, e não pela ausência de uma invocação ao nome do Senhor. Isso significa que as pessoas que adoram Jesus Cristo ainda hoje, o verdadeiro Deus, por meio de imagens, ainda são culpadas de idolatria.
Nossa presença aqui diante do Senhor Jesus nos reivindica temor e tremor. Por estarmos aqui, não devemos nos tornar idólatras, como alguns dos judeus fizeram no deserto. Não devemos comer e beber na mesa de outro deus e depois nos levantar para brincar.
Portanto, guardemos nossos corações. Ao celebrarmos perante o Senhor, ao aprendermos a regozijar-nos perante Ele, ao aprendermos a sugar a medula dos ossos, sejamos ao mesmo tempo vigilantes. Freqüentemente, não sabemos de que tipo de espírito somos, e quando nos levantamos para brincar, se ele se desviar para a fornicação, lembremo-nos dos vinte e três mil que caíram. Deus nos chama para celebrar diante dEle, mas isso deve ser feito na beleza da sua santidade.
Nele, que é fogo consumidor,
Rev. Alan Kleber