Na última pastoral apresentei pelo menos três implicações práticas para votarmos segundo a ética bíblica: (1) O voto é intransferível e inegociável; (2) O cristão não deve violar a sua consciência quando vota; e, (3) O fato de um candidato se dizer evangélico não deve constranger o seu voto. A pergunta de hoje é a seguinte:
Por que pensar em política se tudo vai bem?

Há alguns anos estava assistindo um cientista político falar sobre um fenômeno comum nos países democráticos: o comodismo que bloqueia o senso crítico ou questionador no pensamento político do povo. Vamos chamar isso de síndrome do tudo vai bem. E se tudo vai bem, por que mexer? Em time que joga bem não se mexe, diz o ditado popular não é mesmo?
Deixe-me lhe dar uma ilustração. Você já experimentou oferecer algumas migalhas de pão aos patinhos que vivem no lago da Orla de Atalaia? Eles estão tão condicionados que basta alguém chegar à beira do lago que saem nadando em fila até você. Eles não estão preocupados com a qualidade ou conteúdo das migalhas, porque o importante é que você dê o que eles querem. Pobres patinhos! Podem até mesmo ser sequestrados ou envenenados, mas não questionarão. Tudo vai bem para eles. E se tudo vai bem, para que desconfiar?

O mesmo ocorre com a nossa consciência política. O aparente senso de tranquilidade enquanto estamos à mesa jantando e ao mesmo tempo assistindo na TV uma criança viajar todos os dias com fome, doente, quilômetros a pé para chegar a sua escola mal equipada, sem merenda e com professores cansados e mal remunerados não mexe mais com a gente.
Ou então, ver pessoas enfrentando longas filas para marcar exames que duram meses e até anos para se consumarem. Pacientes morrendo nos hospitais, sem tratamento e medicamentos. Para muitos cristãos a conclusão é lógica: Deus é soberano, nada acontece sem sua permissão, é melhor não gastar tempo me preocupando com essas coisas. Mas onde fica a responsabilidade humana nisso tudo?

Não importa se o passado do meu candidato é sujo, se ele se envolveu com toda sorte de corrupção imaginável e inimaginável. Se ele é evangélico e mesmo assim rouba o leite das crianças, os livros dos estudantes, o sangue dos doentes. Não importa se o meu candidato defende e apoia a união de pessoas do mesmo sexo, se ele deseja que crianças abandonadas sejam adotadas por gays ou lésbicas. Muito menos importa se ele defende que uma mãe motivada por razões egoístas decidiu abortar o seu filho no terceiro mês de gravidez, pois dela é a barriga, faça como quiser.
E sabe por quê? Porque se eu tenho bolsas e mais bolsas, créditos e mais créditos, se eu tenho pão e leite, bens móveis e imóveis, e todos os políticos são da mesma laia, o que me importa de verdade é garantir o que é meu. Você pode dizer: “por favor, pastor não seja tão pessimista, tão apocalíptico!” O problema é que tal síndrome muito mais anestesia ou condiciona a consciência do que desperta o cidadão para o verdadeiro sentimento que deveria ser marcante na vida política – o serviço público.

O cristão não deve se esquivar de sua responsabilidade política, pois Deus o chama a obedecer e honrar as autoridades constituídas por Ele no mundo em que vive (Rm 13.1-6). Obediência e honra significa também oração, envolvimento e cooperação. Santo Agostinho há muito tempo definiu a política como a forma mais elevada de caridade possível na terra. Se exercida, legislada e aplicada corretamente a política pode se tornar um grande instrumento de bênção para uma nação. Isso se prova bíblica e historicamente. O reino de Israel ou as nações que abraçaram a fé reformada vivenciaram esta benção quando submeteram seus governos e governantes a Deus.

Quando você vê as mesmas caras na televisão, com o mesmo blá, blá, blá de sempre pedindo mais uma vez o seu voto de confiança, qual tem sido a sua reação? O que você acha que Deus pensa sobre tudo isso? Se você perdeu o senso político-crítico, cuidado! A síndrome do tudo vai bem te pegou!

Pr. Alan Kleber