Amada Congregação,

A Igreja de nosso Senhor Jesus Cristo, ainda em nossos dias desfruta dos benefícios do grande avivamento espiritual promovido pelo Espírito Santo há mais de 500 anos. De fato, de tempos em tempos, Deus levanta homens fiéis, cheios de amor por Cristo e sua Igreja, para usá-los como instrumentos em suas mãos.

Assim como os apóstolos e profetas, homens como Lutero e Zwinglio, Calvino e John Knox foram instrumentos nas mãos de Deus para resgatar seu povo das trevas espirituais em que se encontravam. A verdadeira pregação trouxe novamente a Jesus Cristo como a pessoa central para a vida da igreja.

A Idade Média se caracterizou por um profundo desprezo à fiel pregação da Palavra de Deus por parte dos clérigos da igreja romana. Em suas mensagens e escritos, os reformadores condenaram duramente o clero romano por negligenciar a pregação. Eles denunciavam que os sacerdotes católicos, incapacitados para a tarefa de pregar para suas paróquias, delegavam a função a outros, e dedicavam-se a atividades secundárias, ou mesmo à ociosidade e à luxúria (1).

Surge então com o Renascimento e a Reforma Protestante do século XVI um novo método e uma nova vida à teoria da pregação (2). De modo que, uma das grandes descobertas do Renascimento foi que “… as Escrituras voltaram a ser novamente a base da pregação cristã”(3).

Os reformadores se ocuparam em tomar esta ênfase renascentista na proclamação da Palavra de Deus e a implementaram mais plenamente. Para os reformadores, o problema não era somente o de resgatar a pregação, mas de promover um resgate da pregação baseada na Escritura.

A partir da Reforma a pregação voltou a ser central, e o texto bíblico se constituiu no ponto central sobre o qual se desenvolvia todo o sermão. A homilia simples voltou a ser um método popular de pregação. Nenhum dos principais reformadores – Lutero, Zwinglio, Calvino, Knox ou Latimer – escreveu uma obra definida sobre a teoria da pregação. Porém, cada reformador deu prioridade à pregação e ensinou sobre a pregação em suas obras.

Durante este mês em que celebraremos 502 anos de Reforma Protestante, destacaremos o pensamento dos principais reformadores do século XVI. Começaremos hoje conhecendo um pouco de Martinho Lutero (1483-1546). O que ele pregou e ensinou sobre a doutrina da pregação do evangelho?

Lutero e a valorização da pregação

O grande problema da ignorância e da superstição do povo, bem como da superficialidade e leviandade com que participavam da missa era, para Lutero, culpa dos bispos e sacerdotes, que não pregavam nem ensinavam as pessoas a ouvir a pregação (4). Ele considera que:

… não há praga mais cruel da ira de Deus do que quando ele envia fome [escassez] de ouvir sua Palavra, como diz Amós [8.11ss.], como também não existe maior graça do que quando envia sua Palavra, conforme o Salmo 107.20: “Enviou sua Palavra e os sarou, e os livrou de sua perdição.” Também Cristo não foi enviado para outra tarefa do que para [pregar] a Palavra; também o apostolado e toda ordem clerical para outra coisa não foram chamados e instituídos do que para o ministério da Palavra.(5)

Lutero cria convictamente que quem não pregasse a Palavra, para o que foi chamado pela igreja, não podia ser um sacerdote de maneira alguma. Para ele “… quem não é anjo do Senhor dos Exércitos ou quem é chamado para outra coisa que não para o angelato (6) , certamente não é sacerdote… Por isso também são chamados de pastores, porque devem apascentar, isto é, ensinar. O múnus do sacerdote é pregar. O ministério da Palavra faz o sacerdote e o bispo”(7).

Lutero ensinava que nas palavras do pregador a viva voz do Evangelho é ouvida. Segundo ele, a igreja não era uma “casa da escrita”, mas uma “casa da fala.” Sua compreensão acerca da sublimidade da pregação o levou a concluir que “… é a maneira do Novo Testamento e do evangelho que este seja pregado e realizado pela palavra da boca e de viva voz. O próprio Cristo não escreveu nada, nem ordenou que nada fosse escrito, mas sim que se pregasse pela palavra falada”(8).

Conclusão

A fé vem pelo ouvir (Rm 10.17), e o ouvir a pregação da palavra de Cristo. Essa era a expressão usada pelos reformadores para ressaltar a importância do ofício da pregação e o significado salvador de ouvir a proclamação da palavra. Daí o comentário de Lutero de que “… os ouvidos são o único órgão do cristão”(9).

Pr. Alan Kleber

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(1) Paulo R. B. Anglada, Vox Dei: A Teologia Reformada da Pregação em “Fides Reformata”,Vol 4, nº 1, (1999): 152.

(2) Stanfield, Historia de la Homilética, 9.

(3) Ibid. “minha tradução”.

(4) Martinho Lutero, “Das Boas Obras”, em Martinho Lutero: Obras Selecionadas, vol. 2, O Programa da Reforma: Escritos de 1520, (São Leopoldo: Sinodal/Concórdia, 1989), 97.

(5) Martinho Lutero, “Tratado de Martinho Lutero sobre a Liberdade Cristã”, em Martinho Lutero: Obras Selecionadas, vol. 2, O Programa da Reforma: Escritos de 1520, (São Leopoldo: Sinodal/Concórdia, 1989), 438.

(6) Ofício exercido pelo mensageiro de Deus.

(7) Martinho Lutero, “Do Cativeiro Babilônico da Igreja: Um Prelúdio de Martinho Lutero”, em Martinho Lutero: Obras Selecionadas, vol. 2, O Programa da Reforma: Escritos de 1520, (São Leopoldo: Sinodal/Concórdia, 1989), 415-416.

(8) Timothy George, Teologia dos Reformadores, (São Paulo: Vida Nova, 1993), 91.

(9) Ibid, 322.