Amada Congregação,

Na última pastoral conhecemos um pouco mais sobre a compreensão e ensino dos reformadores sobre a doutrina da pregação do Evangelho. Todos eles valorizaram a pregação e demonstraram isto através do que escreveram e também pregaram durante seu ministério. 

Mas, sem dúvida alguma, nenhum dos reformadores teve uma compreensão tão profunda quanto à natureza da pregação como João Calvino (1509-1564). Ainda que a concepção reformada da pregação como Vox Dei (lat. “voz de Deus”) tenha sido compartilhada por Lutero, foi o reformador genebrino, entretanto, quem elaborou mais detalhadamente a questão da natureza da pregação como “a voz de Deus” para seu povo. É sobre ele hoje que vamos comentar.

João Calvino e a Natureza da Pregação

Em seu comentário ao livro de Isaías, Calvino deixou bem claro sua convicção que na pregação “… a palavra sai da boca de Deus de tal maneira que ela de igual modo sai da boca de homens; pois Deus não fala abertamente do céu, mas emprega homens como seus instrumentos, a fim de que, pela agência deles, Ele possa fazer conhecida a sua vontade”.1

Comentando a expressão “até ser Cristo formado em vós” (Gálatas 4.19), Calvino enfatizou a eficácia do ministério da Palavra, afirmando que porque Deus “… emprega ministros e a pregação como seus instrumentos para este propósito, lhe apraz atribuir a eles a obra que ele mesmo realiza, pelo poder do seu Espírito, em cooperação com os labores do homem”.2

Calvino cria que a Igreja não poderia ser edificada senão pela “pregação externa”3 da Palavra de Deus, e que os santos não se mantêm unidos entre si por outro vínculo senão o da edificação através da proclamação do Evangelho de Cristo. Calvino destacou a importância deste elemento atribuindo a sua eficácia somente ao ministério do Espírito Santo, o Divino Mestre dos fiéis, o qual através da instrumentalidade dos ministros e doutores, aplica e instrui a Igreja de Cristo, fortalecendo-a, confortando-a e consolando-a.4

Ele cria que os sacramentos não tinham sentido sem a pregação do Evangelho.5 Quando a ministração dos sacramentos era dissociada da pregação, eles tendiam a ser considerados como práticas mágicas.

A fim de restaurar a igreja em Genebra aos moldes bíblicos, João Calvino e seus companheiros redigiram um manual de governo eclesiástico e de culto denominado Ordenanças Eclesiásticas. Segundo esse manual, a pregação da Palavra de Deus deveria ser o elemento essencial do culto corporativo e a tarefa central do ministério pastoral.6

Quando a Reforma Protestante aconteceu no século XVI, as verdades da Bíblia que por longo tempo estavam obscurecidas pelas tradições da igreja medieval, novamente tornaram-se conhecidas, elevando as Escrituras a uma posição de destaque nos cultos protestantes.

De um modo particular, foi o reformador genebrino que pôs isto em prática de modo pleno, ordenando que os altares (há muito o centro da missa latina) fossem removidos das igrejas e que o púlpito com uma Bíblia aberta sobre ele fosse colocado no centro do prédio.

Conclusão

Calvino foi um pregador mestre numa época em que o púlpito era o principal meio de comunicação para uma cultura inteira. Para ele o pregador tinha em suas mãos uma missão tão gloriosa, chegando a afirmar que “… quando o evangelho é pregado em nome de Deus é como se Deus em pessoa falasse”.7

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(1) Paulo R. B. Anglada, Vox Dei: A Teologia Reformada da Pregação em “Fides Reformata”,Vol 4, nº 1, (1999): 149.

(2) João Calvino, Comentário da Epístola aos Gálatas, (São Paulo: Paracletos, 1998), 137.

(3) Juan Calvino, Institucíon de la Religión Cristiana, 5ª ed., Tomo II, (Rijswijk-Países Bajos: Felire, 1999), IV.x,29.

(4) Ibid, IV.i,5.

(5) Calvino, Institutas, IV.xiv.5.

(6) J.H. Merle d’Aubigné em Paulo R. B. Anglada, Vox Dei – A Teologia Reformada da Pregação, em “Fides Reformata”,Vol 4, nº 1, (1999): 154.

(7) Timothy George, Teologia dos Reformadores, (São Paulo: Vida Nova, 1993), 187.Pr. Alan Kleber