Introdução

No texto anterior vimos que nenhum dos reformadores teve uma compreensão tão profunda quanto à natureza da pregação como João Calvino (1509-1564). Ainda que a concepção reformada da pregação como “voz de Deus” (lat. vox Dei) tenha sido compartilhada por Lutero, foi o reformador genebrino, entretanto, quem elaborou mais detalhadamente a questão da natureza da pregação como “a voz de Deus”. Calvino chegou a afirmar que todas as vezes que o Evangelho era pregado em nome de Deus, o próprio Deus pessoalmente falava para seu povo.

A era dos reformadores não foi somente marcada pela vida de homens eruditos e piedosos, mas de pregadores impetuosos e corajosos. Pastores que pregavam sem temor de homens porque temiam somente a Jesus Cristo, Senhor e Cabeça da Igreja. Quando estudamos a Reforma Protestante redescobrimos nossas raízes presbiterianas, e logo encontramos um dos pregadores mais piedosos e corajosos daquela época. Seu nome? John Knox, o reformador da Escócia.

John Knox e o Poder da Pregação

Considerado um reformador de segunda geração, John Knox (1513-1572)era um homem corajoso, muitas vezes duro, que a ninguém temia, exceto a Deus. Exerceu um papel bastante importante para a promoção da Reforma na Escócia, seu país de origem.

Educado na Universidade de Glasgow e ordenado ao sagrado ministério em 1530, fez-se discípulo de George Wishart e pregou aos soldados protestantes no acampamento de Saint Andrews até ser capturado pelo exército francês e condenado a passar dezenove meses nas galés de uma embarcação militar francesa1.

Passou depois vários anos na Inglaterra, enquanto a Reforma progredia sob o governo de Eduardo VI, destacando-se como notável pregador reformado. Com a ascensão de Maria Tudor ao trono inglês, Knox se vê obrigado a fugir para a Europa onde teve a oportunidade de pastorear exilados religiosos em Frankfurt, na Alemanha. Ali conheceu aquele que chamaria de “… o notável servo de Deus”, João Calvino.

Em 1557, Knox voltou à Escócia como um profeta impetuoso, de teologia calvinista2. De fato, ele não era um sujeito simpático ao povo, agradável nas suas pregações. Se tivesse sido, a Escócia não teria sido ganha para Cristo. A verdade é que John Knox pregava com fogo nos ossos e nas entranhas.

Os reformadores pregavam assim. Knox pregava sermões que provocavam temor de Deus, que mostravam a santidade e a ira de Deus, que levavam os ouvintes à convicção de pecado; sermões que produziam humildade, quebrantamento e transformavam vidas e nações3.

Llyod-Jones considerando John Knox como um pregador diz que “… sua grande característica era a veemência. Os grandes pregadores geralmente são veementes; e todos nós devemos ser veementes. Isto não resulta somente da natureza; surge da sensível percepção do poder do evangelho. A veemência, naturalmente, é caracterizada pelo poder; e John Knox era um pregador deveras poderoso4.

O efeito de sua pregação era extraordinário. Não só influenciava o rei Eduardo VI, como também muitos outros. É tradicional a referência ao efeito da sua pregação sobre Maria, rainha dos escoceses. Ele podia fazê-la chorar; não sob convicção de pecados, e sim de raiva! Lloyd-Jones afirma que:

… ela o temia; ela dizia que tinha mais medo das suas orações e da sua pregação do que muitos regimentos de soldados ingleses. Randolph, homem da coorte e embaixador, disse o seguinte, a respeito dele e de sua pregação: “A voz de um único homem é capaz de, em uma hora, por mais vida em nós do que 500 trombetas ressoando continuamente em nossos ouvidos”. A voz de um só homem! Muitas vezes um único sermão pregado por Knox mudava toda a situação5.

Sir David Wilkie, no dia 10 de junho 1559, pintou um quadro que tinha como título: “A pregação de John Knox diante da Congregação dos Lordes”. Através do pincel e da tinta, Wilkie buscou transmitir as gerações posteriores a figura de Knox, assim como registrada na história da Reforma na Escócia. A sua obra registra um daqueles episódios quando os lordes e outros se alarmavam, e tomados de grande temor, diante da ameaça da “congregação de satã6 pensavam em desistir; e então Knox subia ao púlpito e pregava; e a situação toda se transformava7. Um só homemmais influente do que o ressoar de quinhentas trombetas em nossos ouvidos!

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1Earle E. Cairns, O Cristianismo Através dos Séculos – Um História da Igreja Cristã, 2ª ed., (São Paulo: Vida Nova, 1988), 260.

2Ibid.

3Ibid.

4Llyod-Jones, “John Knox ­– O Fundador do Puritanismo” em Os Puritanos Suas Origens e Seus Sucessores, (São Paulo: PES, 1993), 274.

5Ibid.

6A denominação dada pelos Lordes da Congregação à igreja de Roma.

7David Wilkie, The Preaching of John Knox Before in the Lord’s Congregation,http://www.bbc.co.uk/arts/yourpaintings/paintings/john-knox-preaching-before-the-lords-of-the-congregation-219675

Pr. Alan Kleber