Amada Congregação,

Como se a teologia eucarística por si só já não fosse difícil o suficiente, nossas modernas tradições ainda criaram questões adicionais. De fato, temos algumas tradições complicadoras. Por essa razão, questões aparentemente simples sobre o assunto necessitam sempre de atenção e profunda reflexão. O que a Bíblia ensina sobre os elementos sacramentais da Ceia do Senhor? O que devemos entender sobre essa teologia sacramental e como devemos proceder?

Primeiro, devemos lembrar que os elementos da Ceia do Senhor são pão e vinho. Nosso propósito sempre é lembrar que o Senhor Jesus nos convidou para sua Ceia, e devemos estudar o sacramento com o objetivo de entender seu ensino para determinar como nosso Redentor arrumou a sua Mesa. E, ao mesmo tempo, também devemos estudar quais são as maneiras apropriadas sempre que nos sentarmos à sua Mesa. Como Jesus deseja que tratemos seus outros convidados?

Em segundo lugar, devemos nos lembrar do contexto da Páscoa. Cristo instituiu a observância da Ceia do Senhor no dia 14 de Nissan, na festa anual da Páscoa dos judeus. No decorrer daquela refeição, Cristo separou alguns de seus elementos para o estabelecimento de uma nova refeição, a refeição do Novo Pacto. Os cristãos deveriam tomar esses elementos e lembrar-se dele, anunciando a sua morte, até a segunda vinda. Ao mesmo tempo, essa refeição da Nova Aliança seria um memorial no sentido do Antigo Testamento, onde sempre pediríamos a Deus que se lembrasse de nós, por amor de seu filho amado Jesus Cristo.

  • O pão usado era chamado de aphiqomon (pão de três partes). Por ocasião da Páscoa, esse pão era sem fermento. Cristo pegou o pão, o quebrou e lhe deu um novo significado: “isto é o meu corpo.”
  • Durante a Páscoa, eram servidos quatro cálices de vinho. O terceiro cálice era chamado de “cálice da bênção”. Este é o cálice que o apóstolo Paulo se refere como sendo aquele que os cristãos beberiam até o fim do mundo. Este cálice era um cálice de vinho – isto é, de suco de uva fermentado. A prática comum dos judeus era a de misturar água com seu vinho, geralmente na proporção de dois para um, de modo que a taça era de vinho diluído.

De modo que, a prática comum evangélica de substituir o vinho pelo suco de uva pasteurizado, simplesmente para manter nossas próprias tradições pietistas é biblicamente injustificada e certamente um pouco ousada.

Terceiro, as questões relativas aos pães fermentados e asmos não são tão simples de resolver. Ao contrário da opinião popular, o fermento nem sempre representa o pecado nas imagens encontradas nas escrituras. A ideia básica por trás do fermento não é uma representação do pecado ou da justiça, mas sim do crescimento. Esse crescimento pode ser bom ou ruim, dependendo do tipo de fermento. As imagens do fermento mostram que os nossos compromissos religiosos básicos têm consequências ao longo do tempo. O fermento nos mostra o domínio de uma fé. A única questão é de quem é a fé.

Disse-lhes outra parábola: O reino dos céus é semelhante ao fermento que uma mulher tomou e escondeu em três medidas de farinha, até ficar tudo levedado”.

– Mateus 13.33

O pão asmo usado na refeição pascal era uma representação do período de sofrimento com o fermento do Egito. Consequentemente, o pão asmo era chamado de pão da aflição:

“Nela, não comerás levedado; sete dias, nela, comerás pães asmos, pão de aflição (porquanto, apressadamente, saíste da terra do Egito), para que te lembres, todos os dias da tua vida, do dia em que saíste da terra do Egito”.

– Deuteronômio 16.3

A refeição da Páscoa também era comida com ervas amargas para lembrar o povo do tempo horrível que passaram no Egito, e para ajudá-los a olhar para o tempo de alegria do Messias. Eles não deviam levar nenhum fermento do Egito como “recomeço”. Isso simplesmente construiria para eles outro Egito. Podemos dizer, com base nesta passagem de Deuteronômio, que o fermento que faltava na Páscoa era para mostrar a aflição do Egito e a pressa com que Israel saiu de lá.

Consequentemente, muitos presumem que o fermento na Bíblia sempre representa o pecado. De fato, às vezes o representa sim:

6 Não é boa a vossa jactância. Não sabeis que um pouco de fermento leveda a massa toda?

7 Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois, de fato, sem fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado.

8 Por isso, celebremos a festa não com o velho fermento, nem com o fermento da maldade e da malícia, e sim com os asmos da sinceridade e da verdade.

– 1 Coríntios 5.6–8

Note que aqui o fermento representa, assim como no Antigo Testamento, o princípio do pecado atuando em todo o pão. Mas, como vimos acima, o fermento também é um símbolo do Reino de Deus (Mt 13.33), abrindo caminho e se espalhando pelo mundo.

Assim, o fermento pode representar o pecado, o fermento do Egito, pois atua corrompendo algo bom, ou pode representar o fermento de Deus ao estabelecer a justiça em todo o mundo. Isso também se encontra no Antigo Testamento.

Quando o povo pactual de Deus entrou na terra prometida, deveria começar a servir ao Deus verdadeiro. Uma de suas ofertas era a oferta pacífica, uma imagem da reconciliação vindoura que o Messias realizaria:

11 Esta é a lei das ofertas pacíficas que alguém pode oferecer ao SENHOR.

12 Se fizer por ação de graças, com a oferta de ação de graças trará bolos asmos amassados com azeite, obreias asmas untadas com azeite e bolos de flor de farinha bem amassados com azeite.

13 Com os bolos trará, por sua oferta, pão levedado [fermentado], com o sacrifício de sua oferta pacífica por ação de graças.

– Levítico 7.11–13

Este fermento é uma imagem de ação de graças, assim como a falta de fermento é uma imagem de aflição sob o pecado e pressa para fugir para bem longe dele. Claro que é melhor ter pressa enquanto se foge do pecado do que relaxar e descansar nele. Porém, o objetivo de trazer o povo de Israel para a terra prometida era libertá-lo do pecado e dar-lhe descanso. Mas, o que significava tudo isso: que eles deveriam oferecer de volta a Deus ofertas que continham o fermento de Israel, um fermento de ação de graças, e não o fermento do Egito.

Vemos a mesma verdade na oferta das primícias na Festa do Pentecostes, ou a Festa das Semanas – também gloriosamente cumprida na vinda do Messias:

16 Até ao dia imediato ao sétimo sábado, contareis cinqüenta dias; então, trareis nova oferta de manjares ao SENHOR.

17 Das vossas moradas trareis dois pães para serem movidos; de duas dízimas de um efa de farinha serão; levedados se cozerão; são primícias ao SENHOR.

– Levítico 23.16-17

Curiosamente, o primeiro caso registrado de cristãos celebrando a Ceia do Senhor após sua instituição foi neste festival, no tempo de Pentecostes:

“Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração.

– Atos 2.46

Na Páscoa, nenhum fermento poderia estar presente. Porém, no Pentecostes, a presença de fermento era necessária. Em outras palavras, a primeira celebração da Ceia do Senhor não foi realizada no rigor da Páscoa, mas na liberdade e na alegria do Pentecostes.

Nossa celebração da Ceia deve, portanto, ser sem fermento, no sentido de que rejeitamos todo mundanismo e pecado deste mundo.

Contudo, nossa celebração da Ceia deve ser fermentada no sentido de que proclamamos um evangelho que transformará o mundo inteiro.

Concluo lembrando que, ambos os princípios são verdadeiros, e ambos são declarações necessárias e legítimas para se fazer na Ceia do Senhor. Mas, que tipo de pão deveríamos usar? A pergunta deve ser respondida com base em qual dessas duas verdades desejamos preeminência em nossa observação do sacramento. Primeiro, a Igreja Cristã deve se afastar do mundanismo. Em segundo lugar, Jesus Cristo morreu para salvar o seu povo de seus pecados. Logo,  o ensino do Novo Testamento nos conduz à última afirmação; o pão fermentado representa um evangelho poderoso que transformará o mundo inteiro. Aleluia!

Seja bem-vindo a Mesa do Senhor Jesus Cristo,

Rev. Alan Kleber Rocha