R.J. Rushdoony

1 Vi novo céu e nova terra, pois o primeiro céu e a primeira terra passaram, e o mar já não existe. 2 Vi também a cidade santa, a nova Jerusalém, que descia do céu, da parte de Deus, ataviada como noiva adornada para o seu esposo. 3 Então, ouvi grande voz vinda do trono, dizendo: Eis o tabernáculo de Deus com os homens. Deus habitará com eles. Eles serão povos de Deus, e Deus mesmo estará com eles. 4 E lhes enxugará dos olhos toda lágrima, e a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram. 5 E aquele que está assentado no trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E acrescentou: Escreve, porque estas palavras são fiéis e verdadeiras. 6 Disse-me ainda: Tudo está feito. Eu sou o Alfa e o Ômega, o Princípio e o Fim. Eu, a quem tem sede, darei de graça da fonte da água da vida. 7 O vencedor herdará estas coisas, e eu lhe serei Deus, e ele me será filho. 8 Quanto, porém, aos covardes, aos incrédulos, aos abomináveis, aos assassinos, aos impuros, aos feiticeiros, aos idólatras e a todos os mentirosos, a parte que lhes cabe será no lago que arde com fogo e enxofre, a saber, a segunda morte.

Apocalipse 21.1-8

De acordo com a Carta aos Hebreus, nos temos “…chegado ao monte Sião e à cidade do Deus vivo, a Jerusalém celestial”. A Nova Jerusalém é uma realidade presente, bem como uma realização futura. Milton Terry resumiu o assunto apropriadamente, escrevendo em 1890:

“A Nova Jerusalém, portanto, é o retrato apocalíptico da Igreja do Novo Testamento e do Reino de Deus. Seu simbolismo exibe a natureza celestial da comunhão e amizade de Deus e seu povo, que é iniciado aqui pela fé, mas que se abre em indescritível plenitude de glória através dos tempos.”1

Um Novo Céu e uma Nova Terra

A criação de um novo céu e uma nova terra começou com a ressurreição, com Cristo, as primícias da nova humanidade e da nova criação. A nova criação envolve o “sacudir” e recriar o velho mundo. O primeiro “abalo” da terra ocorreu no Sinai, quando a santidade de Deus por meio de sua Lei foi a morte para o pecado e a rebelião do mundo. O segundo e último abalo começou com a ressurreição: “Ainda uma vez por todas, farei abalar não só a terra, mas também o céu” (Hebreus 12.26). O grande pregador puritano, John Owen, escrevendo sobre Hebreus 12.25-27, disse:

“É, portanto, os céus do culto mosaico e a igreja-estado judaica, com a terra de seu estado político pertencente a ele, que são aqui pretendidos”.2

Mais uma vez, Roderick Campbell apontou claramente:

“Fazer novas todas as coisas têm referência à regeneração moral e espiritual, à redenção no tempo, à ‘ressurreição de todas as coisas’, ao ‘tempo da reforma’, à formação da ‘nova criação’, à conclusão de ‘novos céus e uma nova terra’, em outras palavras, para a restituição tornada necessária pela entrada do pecado e a queda do homem (cf. 2 Coríntios 5.17; Colossenses 1.20)”.

“Observe cuidadosamente a frase ‘todas as coisas’ que é repetida nada menos que seis vezes em Colossenses 1.15-20. Observe particularmente os versículos 19-20: ‘porque aprouve a Deus que, nele, residisse toda a plenitude e que, havendo feito a paz pelo sangue da sua cruz, por meio dele, reconciliasse consigo mesmo todas as coisas, quer sobre a terra, quer nos céus’. Deve-se notar também que ‘todas as coisas’ em 2 Coríntios 5.17 refere-se principalmente, se não exclusivamente, à realidade objetiva — às coisas fora do crente, como agora lhe aparecem. Em ambas as passagens, a transformação de ‘todas as coisas’ relaciona-se ao fato externo e não à experiência subjetiva.3

Campbell ainda afirma:

“A Nova Terra é o lado inferior ou humano do novo universo que surgiu como resultado da obra redentora realizada por Cristo na Cruz. Ele disse: ‘Está consumado’, e então expirou (João 19.30). A Nova Terra significa os efeitos redentores na terra que são mencionados no Novo Testamento como ‘a regeneração’, o ‘tempo da reforma’ e ‘a restituição de todas as coisas’. Em contraste e em oposição a esta Nova Terra está o mundo que ainda jaz no maligno (Gálatas 1.4; cf. João 5.4)”.

“A palavra ‘céu’ nas Escrituras (como, por exemplo, ‘os céus governam’) não significa necessariamente os céus físicos ou astrais, mas sim o governo Divino do mundo e do homem. ‘Terra’ não significa necessariamente o planeta material em que vivemos ou qualquer parte dele, como cidades ou campos. A Nova Terra não significa (como alguns pensam) nosso atual planeta físico purificado de seu mal moral e espiritual. Isso não significa que este mundo físico atual será purificado para ser um plano adequado no qual os santos habitarão quando Cristo retornar, ou após o soar da última trombeta. A Nova Terra significa algo totalmente novo – algo que surgiu com a inauguração da era em que vivemos agora. Significa algo que só pode ser visto pela fé”.4

O comentário de Calvino sobre Hebreus 2.5, ajuda a esclarecer este ponto:

“Para tornar a coisa mais clara, vamos supor dois mundos – o primeiro, o antigo, corrompido pelo pecado de Adão; o outro, mais tarde no tempo, como renovado por Cristo… Portanto, agora parece que aqui o mundo vindouro não é o que esperamos depois da ressurreição, mas o que começou no início do reino de Cristo, mas sem dúvida alcançará sua plena realização em nossa redenção final”.5

Isso torna a questão bem mais clara: não há reino para nós, se não estivermos no reino agora; não há nova criação que possamos esperar na eternidade, se estivermos fora da nova criação hoje. O reino é e há de vir; os novos céus e a nova terra são e virão. A plenitude está no fim dos tempos, mas está aqui hoje na realidade. Isso significa que os cristãos estão negligenciando sua herança e deixando de usar seu poder em Cristo: eles vivem em termos de vitória amanhã em vez de vitória hoje, em termos de alegria amanhã em vez de alegria hoje.

Como podemos desfrutar do céu se não podemos desfrutar da terra? Como podemos nos regozijar na ordem eterna além do tempo, quando não podemos nos regozijar na nova criação hoje? O Apocalipse foi escrito para cristãos sofredores e perturbados, mas também para cristãos presunçosos e satisfeitos consigo mesmos, que esperavam a vinda do reino e sentiam que os problemas do mundo representavam um obstáculo para Cristo e Seu reino.

Entretanto, o Livro do Apocalipse deixa claro que o reino é agora, e que, não é fugindo de conflitos, responsabilidades e sofrimentos, mas assumindo-os, que os cristãos e a igreja ganham sua herança. Tanto o compromisso com o mundo quanto a fuga dele pressupõem que Cristo é impotente e que Seu reino está no futuro e não tem poder hoje.

A boa notícia é anunciada: “e o mar já não existe”. O mar é o mundo, o mundo apóstata e incrédulo. As nações se estabelecem como o verdadeiro reino, como a verdadeira comunidade do homem, em oposição ao reino de Deus. Elas reivindicam domínio, controle e poder. Contudo, o Senhor Jesus declara: “e o mar já não existe”.

As nações, disse o SENHOR ao profeta Isaías, são como nada diante dele (Isaías 40.15ss.). Agora, tendo sido estabelecida a nova criação e a obra expiatória de Cristo abertamente estabelecida, o Senhor move-se contra as nações. O mar já não mais existirá, e as boas novas são anunciadas com antecedência. O reino deste mundo se tornará o reino de nosso SENHOR e de seu Cristo. As nações apóstatas serão quebradas, e o caminho preparado para os servos do Senhor.

Nos versículos 1-8, temos os novos céus e a nova terra retratados em seu esplendor eterno e realidade presente, em contraste com a morte eterna do mundo de Babilônia. No versículo 1, como observamos, temos a grande declaração: “e o mar já não existe”. O mar turbulento e revolto, de onde veio a besta, e que tipifica as nações que se estabelecem como o verdadeiro reino, a verdadeira comunidade do homem, em oposição ao reino de Deus, não existe mais, na perspectiva da ordem eterna.

Por meio de Isaías, Deus declarou enfaticamente que seu julgamento estava sobre as nações. Além disso, pela vinda do Emanuel, o Filho de Deus nascido de uma virgem, a soberania das nações foi revelada como sendo menos do que nada, totalmente inexistente, e a soberania do Senhor foi totalmente revelada. O cristão hoje, assim como nos dias do apóstolo João, muitas vezes é oprimido pela fúria do mar e sente que Deus está distante, mas o Senhor declara através de seu servo: “e o mar já não existe.”

“Os pagãos se enfurecem” (Salmo 2), mas toda a sua conspiração contra o domínio do Senhor é anulada pela vinda de Jesus Cristo, que passa a “quebrá-los com vara de ferro” (Salmo 2.9). O que estamos testemunhando não é o triunfo das nações, antes, sua destruição. Portanto, ao vermos essas coisas, devemos servir “… ao SENHOR com temor e alegrai-vos nele com tremor” (Salmo 2.11).

A presença do tabernáculo de Deus entre os homens é retratada tanto em sua plenitude e sua glória da ordem eterna, quanto na realidade da vida da verdadeira igreja. A morte e a tristeza da vida são abolidas pela ressurreição de Cristo, e entramos nessa vitória aqui e agora, e em sua plenitude na ressurreição dos mortos. Não por transigência, nem por ficar à margem, separados do conflito, mas por vencer e por sede, recebemos nossa herança e bebemos da fonte da água da vida (Apocalipse 21.6-7).

E o Senhor Jesus é o princípio e o fim de todas as coisas, Ele é o Alfa e o Ômega, e isso inclui nossa vida cristã, nossa fome e sede espirituais, nossa luta e nossa vitória. Portanto, “Beijai o Filho para que se não irrite, e não pereçais no caminho; porque dentro em pouco se lhe inflamará a ira. Bem-aventurados todos os que nele se refugiam” (Salmo 2.12).

A palavra “novo” é repetidamente usada para descrever esta criação. Duas palavras gregas diferentes são traduzidas como “novo” em nosso texto em português: neos, que se relaciona com o tempo; e kainos, que se relaciona com a qualidade.6

A palavra kainos é usada para descrever o túmulo de Jesus (Mateus 27.60; João 19.41), e os “odres” ou “garrafas” para o vinho novo. Em ambos os casos, kainos não indica que o túmulo que sepultou Jesus ou os odres narrados no evangelho foram feitos recentemente, mas antes, para a qualidade deles. Esta mesma obra, kainos, é usada aqui e em todo o Livro do Apocalipse – o nosso Cristo no passado inaugurou algo maravilhosamente novo, de qualidade surpreendente, um Novo Céu e uma Nova Terra.

Maranata!

Tradução e adaptação por Rev. Alan Kleber Rocha

Referências:

1. Milton S. Terry, Biblical Hermeneutics (New York: Eaton & Mains, 1890), 382.

2. John Owen, An Exposition of Hebrews, vol. IV (Evansville, IN: Sovereign Grace Publishers, 1960), 366.

3. Roderick Campbell, Israel and the New Covenant (Philadelphia: Presbyterian and Reformed Publishing Co., 1954) 108.

4. Ibid., 113f.

5. John Calvin, Commentaries on the Epistle to the Hebrews, John Owen translation (Grand Rapids: Eerdmans, 1949), 58.

6. W. Boyd Carpenter, in Ellicott, Commentary, op. cit.,VIII, 627.