Qual é o propósito da assembleia do Dia do Senhor? Por que vamos a um culto na igreja no domingo? A resposta a estas perguntas-chave ajudará a explicar por que certas palavras e ações são incluídas na adoração do povo pactual e determinará também a maneira como o culto é ordenado do começo ao fim. Infelizmente, há sérias divergências entre os cristãos modernos sobre o propósito do culto dominical. Há pelo menos quatro diferentes perspectivas populares sobre o propósito do culto de domingo. Nesta pastoral, iniciaremos brevemente a análise de cada resposta proposta.

Adoração como Evangelismo?

Primeiro, alguns cristãos e igrejas acreditam que o propósito do culto do domingo deve ser o evangelismo. Muitas igrejas “independentes” e “comunitárias” tendem a adotar essa visão, embora mais e mais igrejas evangélicas presbiterianas e reformadas também pensem que a evangelização define o propósito principal do culto dominical. Tal perspectiva não é inteiramente nova. Nem é totalmente errada, como veremos.

Mas, antes que possamos examinar o lugar apropriado do evangelismo no culto dominical, precisamos dar alguma atenção a uma distorção muito comum. Desde o mal chamado “Segundo Grande Despertamento” no início do século XIX, muitas igrejas protestantes adotaram a eficácia evangelística como o principal critério para a adoração efetiva. Atualmente, a eficácia evangelística impulsiona praticamente tudo na “adoração” de muitas igrejas que se identificam com o chamado “movimento de crescimento de igrejas”.

Adoração não é evangelismo

Antes de passar a sugerir outros problemas com essa perspectiva, devemos parar e observar brevemente o argumento prima facie contra este a partir das Escrituras. Evangelismo é uma coisa, adoração é outra. Adoração é algo que você faz diante de Deus:

“Tributai ao SENHOR a glória devida ao seu nome; trazei oferendas e entrai nos seus átrios; adorai o SENHOR na beleza da sua santidade” (1 Crônicas 16.29).

“Servi ao SENHOR com alegria, apresentai-vos diante dele com cântico” (Salmo 100.2).

“Ao Senhor, teu Deus, adorarás, e só a ele darás culto” (Mateus 4.10).

Essas passagens e muitas outras indicam que Deus é o objeto da adoração. O evangelismo, no entanto, tem o homem como o objeto. A igreja evangeliza quando sai da presença de Deus para proclamar ao mundo que Jesus é Salvador e Senhor:

“Seguiram os onze discípulos para a Galiléia, para o monte que Jesus lhes designara. E, quando o viram, o adoraram; mas alguns duvidaram. Jesus, aproximando-se, falou-lhes, dizendo: Toda a autoridade me foi dada no céu e na terra. Ide, portanto, fazei discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo; ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até à consumação do século” (Mateus 28.16-20).

“… mas recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra” (Atos 1.8).

Além disso, o povo de Deus se reúne para adoração no Dia do Senhor em resposta às suas dádivas graciosas. O Senhor convoca seu povo para fazer uma execução de seu comando diante dele. Os incrédulos não se reúnem para adoração. A família do Senhor se reúne no Dia do Senhor para adoração. Em Cristo os santos têm acesso ao santuário. Eles são convidados para o próprio céu.

Se os incrédulos estão presentes, eles não são o foco da assembleia. Eles não estão “em Cristo” e, portanto, não têm acesso celestial ao Pai. Jesus descreveu o templo como “uma casa de oração” (Mc 11.17). A oração é oferecida a Deus. Em Mateus 6.1-13, Jesus advertiu seus discípulos sobre orar “diante dos homens”. Os fariseus adoravam “orar nas sinagogas” para “brilhar diante dos homens”.

O Senhor Jesus, no entanto, ordena a oração particular. No contexto, isso não pode significar simplesmente oração individual. Jesus não se opôs à oração corporativa. Mas, ele estava preocupado que a oração fosse de fato oração e não transformada em outra coisa como testemunho e evangelismo. Nosso Senhor não se contentava com a oração que tentava ser um testemunho. A oração não é uma forma de evangelismo, dirigida a outras pessoas. A oração é dirigida a Deus.

Uma vez que toda a assembleia cristã se envolve em “oração comum” no culto dominical, segue-se que o evangelismo em si é descartado. Mesmo assim, há um sentido importante em que o Evangelho é proclamado e o “evangelismo” praticado na assembleia dominical do povo de Deus. A forma que o evangelismo assume em um culto de adoração biblicamente ordenado será visivelmente diferente do que é popular hoje. Mas, a devida nuança disso deve esperar mais reflexão da nossa parte à medida que nos aprofundamos sobre a teologia do culto.

Adoração como técnica

Quando o evangelismo se torna o propósito primordial da adoração, então o que é feito no culto facilmente degenera em uma técnica de evangelismo. Muitas vezes, de acordo com esse entendimento, os resultados são o que conta. A eficácia de um culto de adoração deve ser avaliada com base no número de visitantes desigrejados que supostamente são salvos ou se tornam frequentadores regulares?

Em muitas igrejas brasileiras, todo o culto dominical foi radicalmente reformulado para atrair os chamados buscadores sem igreja. “Buscador” parece funcionar como uma palavra de código piedosa para “consumidor religioso”, um cliente em potencial que observa cada igreja em particular para ver qual delas pode oferecer o melhor produto.

Infelizmente, muitas igrejas “amigáveis ​​aos buscadores” realmente não fazem muito por meio do evangelismo bíblico. Seus cultos podem ser melhor descritos como pré-evangelistas. Se algo como “evangelismo” acontecer dentro do culto, pode vir no final de uma mensagem sobre como fazer e tomar a forma de algumas frases sobre como crer em Jesus e ser salvo. Outras igrejas esperam que o visitante se sinta confortável o suficiente ou até mesmo desfrute tanto do culto que ele retornará novamente. Então, em alguma data futura, o incrédulo pode estar pronto para ouvir e responder ao Evangelho.

Felizmente, muitas igrejas que adotaram algumas das filosofias de crescimento da igreja ainda mantêm em seus cultos elementos e ordem do culto cristão tradicional para não degenerar em puro consumismo religioso neo-pagão. A concepção do culto dominical como evangelismo, no entanto, muitas vezes continua a sufocar qualquer redescoberta do poder de um enérgico e vibrante culto litúrgico.

O serviço de culto litúrgico pode ser muito mais eficaz no evangelismo do que “cultos para buscadores”. Afinal, quando o apóstolo Paulo conjectura sobre a presença de incrédulos em um culto cristão, ele não os imagina “confortáveis” ou “entretidos”. Pelo contrário, quando a Igreja se comporta adequadamente no culto, o “estranho” que entra “é condenado” e “chamado por todos” para que “os segredos de seu coração sejam revelados, e assim, prostrado, ele adorará a Deus e declarará que Ele está realmente presente” na assembléia (1Co 14.24, 25).

Um equívoco comum precisa ser corrigido. Em 1 Coríntios 14.24, 25, Paulo não ordena a presença de incrédulos e estranhos em um culto cristão. Nem mesmo assume que eles estarão presentes. A fim de expor o comportamento caótico e tolo dos coríntios durante suas assembleias solenes, o apóstolo propõe uma situação hipotética.

Um culto litúrgico encorpado no qual as pessoas estão confessando honestamente seus pecados, ouvindo atentamente grandes porções da Bíblia sendo lida e Palavra sendo pregada, recitando e cantando energicamente os Salmos, confessando em voz alta sua fé por meio da recitação dos credos, e assim por diante, deve ter um impacto profundo nos que vem de fora.

Na pior das hipóteses, no entanto, uma igreja que adota uma postura voltada para o consumidor pode acabar importando para seu culto dominical quaisquer técnicas que julgue mais eficazes para atrair consumidores religiosos locais. Cada vez mais, a razão para introduzir a cultura de massa nos cultos da igreja é “derrubar as defesas de uma pessoa”. Alguns chegam a criticar as formas tradicionais (bíblicas) de adoração, como a palavra falada, como ineficazes na cultura do século XXI. “A resistência de uma pessoa à persuasão é muito alta quando falada, mas muito baixa quando exposta ao drama e à música”, afirma Bill Hybels.

A Questão do Estilo

Igrejas que escolhem a eficácia evangelística como critério pelo qual avaliam seus serviços tendem a buscar maneiras de atrair e manter pessoas, e geralmente modelam seus serviços a partir de eventos culturais mais amplos (talk shows, shows, etc.). Seus serviços são eventos multimídia cuidadosamente projetados para produzir os resultados apropriados. O marketing muitas vezes desempenha um papel fundamental na determinação da forma do serviço. O interior da igreja pode parecer uma sala de concertos (com uma grande banda e coro na frente), um cinema (onde tudo é projetado em uma tela grande) ou um auditório (com um “palco” na frente).

Normalmente, durante o culto, as pessoas são relativamente passivas: funcionam menos como uma congregação de adoradores ativos e mais como uma audiência. De um modo geral, o que acontece na prática nessas igrejas é que a maioria das formas tradicionais são descartadas, e a igreja abraça descaradamente os modelos de entretenimento dominantes e onipresentes tão proeminentes na cultura ocidental.

Essas mudanças são muitas vezes justificadas pelo apelo à neutralidade de diferentes “estilos” de adoração, mas, esses “estilos” não são neutros. Eles incorporam uma visão de mundo ocidental distintamente moderna. O evangelismo pode ser o motivo da substituição das formas bíblicas e tradicionais no culto por outra pop, mas qual será o fim? Acredito que transformar o culto da Igreja usando esses “estilos” culturais e as últimas inovações tecnológicas em comunicação e entretenimento afetará a mentalidade e o estilo de vida da comunidade pactual que se submete a essas “formas” populares.

A maneira pela qual a doutrina é incorporada, comunicada, vivida e cantada não é neutra. Estilo é igual a forma, e a forma é importante. Em outras palavras, a forma ou maneira pela qual nos aproximamos de Deus na adoração não é algo indiferente. A maneira como oramos e como adoramos está inexoravelmente relacionada a quem somos, para quem estamos orando e no que acreditamos sobre aquele com quem oramos e louvamos.

Estilo (forma) e doutrina são mutuamente condicionantes, ou pelo menos deveriam ser. O que cremos influenciará como oramos, adoramos e cantamos. A maneira como adoramos afetará o que cremos. Este é apenas o velho princípio: lex orandi lex credendi (a lei da oração é a lei da crença). Infelizmente, a igreja brasileira não refletiu cuidadosamente sobre essas questões.

É comum ouvir comentários como estes: “Não estou preocupado com o estilo de música, apenas com a doutrina” ou “O estilo de adoração é apenas uma questão de gosto ou cultura, o que realmente importa é nossa confissão doutrinária” ou “Contanto que você creia corretamente, não faz diferença o estilo de adoração que você escolhe.” Porém, isso é uma evidência assustadora de nossa teologia desleixada sobre adoração e música no culto. O que as formas (estilos) que usamos revelam e comunicam sobre o que cremos? Como o que cremos deve impactar as formas que usamos para incorporar nossa fé?

Uma igreja que escolhe a eficácia evangelística como propósito do culto no Dia do Senhor pode ser tentada a julgar tudo à luz dos resultados alcançados. Além disso, questões teológicas sobre forma e ordem muitas vezes dão lugar a preocupações utilitárias. Assim como as corporações modernas, as igrejas modernas sentem a necessidade de produzir resultados tangíveis que possam ser medidos e divulgados para os membros atuais. “Deixe o futuro se preocupar com quaisquer possíveis consequências a longo prazo que possam se desenvolver porque nossos cultos de adoração foram transformados para alcançar resultados imediatos”. Claro, tudo isso é batizado com a linguagem de ganhar almas.

Portanto, há uma dimensão evangelística genuína na liturgia do Dia do Senhor. O Evangelho é incorporado na liturgia e pregado no sermão. Contudo, não é dirigido principalmente aos que estão fora da fé, mas à comunidade dos crentes. Se os incrédulos visitarem, eles ouvirão o Evangelho, mas não será em seus próprios termos, pois primordialmente, adoração não é evangelismo.

Vinde, adoremos ao Senhor com júbilo,

Rev. Alan Kleber Rocha