A eclesiologia reformada1 considera a promessa proferida por Jesus, de que daria aos seus apóstolos e a sua igreja “as chaves do reino”, a representação da autoridade que ele concedeu ordinariamente aos seus ministros de pregar o santo evangelho e de administrar e aplicar corretamente, juntamente com os presbíteros regentes a disciplina eclesiástica.2 No tocante ao assunto em questão, os reformados defendem que a pregação liga e desliga pessoas do reino de Deus, abrindo e fechando as portas do céu, conforme está escrito em Mateus 16.19 e 18.18.3
Mateus 16.19 e o poder das chaves
A expressão “chaves do reino” ocorre apenas uma vez na Bíblia em Mateus 16.19, onde Jesus diz a Pedro: “Dar-te-ei as chaves do reino dos céus; o que ligares na terra terá sido ligado nos céus; e o que desligares na terra terá sido desligado nos céus”.
William Hendriksen afirma que “… aquele que tem as chaves (cf. Ap 1.18; 3.7) do reino do céu determina quem deve ser admitido e a quem se deve recusar admissão… que os apóstolos, como grupo, exerceram esse direito, é óbvio à luz de todo o livro de Atos. Todos o exerceram numa base de igualdade (At 4.33): não havia chefe nem superintendente. Não obstante… a influência de Pedro era proeminente”.4 Através da pregação do evangelho, Pedro estava abrindo as portas para uns (At 2.38, 39; 3.16-20; 4.12; 10.34-43) e fechando-as para outros (At 3.23).
Calvino, por exemplo, ensina em seus escritos que o poder das chaves está intimamente ligado à Palavra, sendo exercitado pela pregação. Para ele, o privilégio de ligar e desligar que Cristo conferiu a sua igreja está ligado à Palavra. Conforme ele diz: “Isto é especialmente verdade com relação ao ministério das chaves, cujo poder consiste nisso: que a graça do evangelho é pública e privadamente selada na mente dos crentes por meio daqueles que Deus comissionou; e o único método pelo qual isto pode ser feito é pela pregação”.5
Por meio da pregação do evangelho ou na administração dos sacramentos, os ministros e pastores da igreja nos dispensam o perdão dos pecados e nisto é especialmente manifesto o poder das chaves.6 O grande reformador genebrino ainda observa que “… o poder das chaves significa naquelas passagens [Mt 16.19; 18.18] simplesmente a pregação do evangelho; e que não tanto poder quanto ministério, no que diz respeito aos homens. Porque propriamente falando, Cristo não deu este poder a homens, mas à sua Palavra, da qual ele fez aos homens ministros”.7
O Catecismo de Heidelberg indica que a pregação é parte do exercício das chaves do reino dos céus:
Que são as chaves do reino dos céus? A pregação do santo Evangelho e a disciplina cristã. É por estes dois meios que o reino dos céus se abre para aqueles que creem e se fecha para aqueles que não creem. Como se abre e se fecha o reino dos céus pela pregação do santo Evangelho? Conforme o mandamento de Cristo, se proclama e testifica aos crentes, a todos juntos e a cada um deles, que todos os seus pecados realmente lhes são perdoados por Deus, pelo mérito de Cristo, sempre que aceitam a promessa do Evangelho com verdadeira fé. Mas a todos os incrédulos e hipócritas se proclama e testifica que a ira de Deus e a condenação permanecem sobre eles, enquanto não se converterem. Segundo este testemunho do Evangelho Deus julgará todos, nesta vida e na futura.8
Os teólogos de Westminster refletem a interpretação confessional reformada, ao afirmar que “… pelo ministério do evangelho9 o Reino de Deus é aberto aos pecadores penitentes”.10 Em geral, esta é a interpretação aceita pelos teólogos reformados modernos inclusive os presbiterianos que adotam como símbolos de fé os padrões de Westminster, e isso inclui a Igreja Presbiteriana do Brasil.
Pr. Alan Kleber
Fonte:
1Doutrina que estuda a natureza, características e propósitos da igreja de Cristo.
2Manual Presbiteriano, 13ª ed., (São Paulo: Cultura Cristã, 1997), CI/IPB, Cap. IV, Art. 30.
3Paulo Anglada, A Importância da Pregação Reformada, em “Revista Os Puritanos”, Ano VII, nº 04, (1999), p. 12.
4William Hendriksen, Comentário do Novo Testamento – Mateus, vol. 2, (São Paulo: Cultura Cristã, 2001), p. 209.
5Juan Calvino, Institucíon de la Religión Cristiana, (Rijswijk-Países Bajos: Felire, 1999), III.iv,14.
6Ibid, IV.i.22.
7Ibid, IV.xi.1. Cf. IV.vi.4.
8Confissão de Fé e Catecismo de Heidelber, (São Paulo: Cultura Cristã, 1999), Perguntas 83, 84.
9 Isto é, “da pregação do evangelho.”
10Confissão de Fé de Westminster, (São Paulo: Cultura Cristã, 1999), XXX.II.