Verificamos na pastoral anterior1 que a pregação deve ser fundamentada nas Escrituras Sagradas para que se alcance os seus devidos efeitos na vida do homem. Para isso, o pregador deve anunciar tão somente a Palavra de Deus, isto é, scriptura sola2 e scriptura tota3 (1 Tm 4.13; 2 Tm 4.2).4 Passaremos a considerar agora a relação entre a pregação do evangelho e os seus ouvintes.
1. A teologia reformada entende que um dos objetivos práticos da pregação do evangelho é alcançar e converter o coração humano.
Esse era o desejo dos reformadores e dos puritanos: informar o intelecto, mover as afeições e motivar a vontade. Entretanto, o alvo principal de seus anelos era conquistar o coração, o próprio centro da alma. Ryken observa que o poder da pregação puritana residia, “… não na manipulação da audiência pelo pregador, mas na ação do Espírito Santo.”5
Martinho Lutero resume assim o propósito da pregação: “Estimular os pecadores a sentirem seus pecados e despertar neles o desejo pelo tesouro do evangelho”.6 Lutero considerou deplorável o fato de que não poucos pregavam a Cristo meramente com a intenção de comover os sentimentos humanos, ao invés de promover neles a fé em Cristo.7 Calvino escreveu que “… o propósito pelo qual a Palavra de Deus é pregada é nos iluminar com o verdadeiro conhecimento de Deus, fazer com que nos voltemos para Deus, e nos reconciliar com ele”.8 A salvação da alma é o grande propósito da pregação reformada com relação àqueles que se encontram em estado de pecado.
2. O segundo objetivo prático da pregação reformada é mediar um verdadeiro encontro dos pecadores com o Deus redentor.
Isso está em absoluta harmonia com a teologia paulina a qual afirma que a mensagem evangélica que urge ser anunciada através dos embaixadores de Cristo é: reconciliai-vos com Deus (2 Co 5.18-20).9 A pregação é o principal meio de graça para a promoção desse encontro através do ministério da reconciliação.
James Packer acredita que a pregação de Lutero, Latimer, Knox, Baxter, Bunyan, Whitefield, Edwards, McCheyne, Spurgeon, Ryle, Lloyd-Jones, entre outros, não tencionava apenas informar os ouvintes, mas fazer com que a “pregação se tornasse o meio de encontro de Deus com seus ouvintes, pela exposição e aplicação das verdades das Escrituras”.10 Richard Baxter, por exemplo, orientava os jovens ministros acerca desse assunto dizendo que “… na pregação, há uma comunhão de almas, uma comunicação de algo, da alma do pregador para a alma dos ouvintes”.11
Lloyd-Jones, afirma que “… o propósito da pregação é dar a homens e mulheres a sensação de Deus e da sua presença”.12 Ao fazer essas afirmativas, Lloyd-Jones segue de perto a tradição reformada e puritana.
A conversão, entretanto, é apenas o começo. A fé reformada entende que o evangelho deve ser pregado com o objetivo de restaurar nos ouvintes a imagem de Deus distorcida na queda. Paulo Anglada abordando esse assunto cita como exemplo o pensamento do reformador genebrino:
Calvino relaciona a restauração da imagem de Deus no ser humano com o ministério da Palavra. Para ele, a restauração da imago Dei no coração humano é obra do Espírito Santo de Deus por meio da pregação da Palavra. Ele interpreta o pedido de Paulo em 2 Tessalonicenses 3:1 no seguinte sentido: “Que sua pregação possa manifestar seu poder e eficácia para renovar o homem de conformidade com a imagem e semelhança de Deus.“ A “reforma” e “edificação” da vida dos ouvintes, segundo Calvino, é o propósito geral da pregação com relação à igreja.13
Os puritanos relacionavam igualmente o propósito da pregação com a restauração da imagem de Deus no homem. Peter Lewis, um estudioso do movimento puritano escreveu que para eles, “o fim principal da pregação… era a glorificação de Deus na restauração da sua imagem nas almas e vidas dos homens”.14
A pregação não se exaure na evangelização e no ensino. Seu propósito é a maturidade espiritual dos ouvintes. Dennis Johnson, com base em passagens bíblicas como Rm 8.29, Cl 3.10-11 e Ef 4.24, observa que “… o alvo da pregação não é plenamente alcançado senão quando um rebelde se torna filho de Deus. A pregação cristã, o evangelho apostólico, tem como seu propósito nada menos do que a conformidade completa de cada filho de Deus à perfeita imagem do Filho: Cristo”.15
Pr. Alan Kleber
Notas:
1ROCHA, Alan Kleber A. Resgatando o verdadeiro conteúdo da pregação, Aracaju: Boletim Informativo IPA, 30.08.2015, n0 1211.
2Somente a escritura.
3Toda a escritura.
4JR, John MacArthur. Rediscovering Expository Preaching, Dallas: Word, 1992, p. 26.
5RYKEN, Leland. Santos no Mundo: Os Puritanos como Realmente Eram, São José dos Campos: FIEL, 1992, p. 115.
6LUTERO, Martinho. “Das Boas Obras”, em Martinho Lutero: Obras Selecionadas, vol. 2, O Programa da Reforma: Escritos de 1520, (São Leopoldo: Sinodal/Concórdia, 1989), 128.
7Idem, “Tratado de Martinho Lutero sobre a Liberdade Cristã”, p. 446.
8João Calvino em Anglada, Vox Dei: A Teologia Reformada da Pregação em “Fides Reformata”,Vol 4, nº 1, (1999): p. 164.
9KLOOSTERMAN, Nelson. O Pastor e seu Ofício em “Revista Os Puritanos, Ano X, nº 03, (2002): p. 21.
10James I. Packer em Anglada, Vox Dei, p. 165.
11BAXTER, Richard. O Pastor Aprovado, São Paulo: PES, 1989, p. 149.
12LLOYD-JONES, D. Martyn. Pregação e Pregadores, São José dos Campos: FIEL, 2001, p. 18.
6 ANGLADA, Paulo R. B. Vox Dei: A Teologia Reformada da Pregação em “Fides Reformata”,Vol 4, nº 1, (1999): 165.
14Peter Lewis em Anglada, Vox Dei, p. 166.
15Dennis Johnson em Anglada, Vox Dei, p. 166.