Em 1533, Hugh Latimer, já conhecido na cidade de Bristol, pregou uma série de sermões atacando as “peregrinações, adoração aos santos, adoração às imagens, do purgatório, etc., no qual ele persuadiu veementemente para o contrário.” O escritor deste relato prosseguiu dizendo que “o povo não ficou nem um pouco ofendido”.
Isso foi um eufemismo: os sacerdotes de Bristol organizaram uma série de contra-sermões e houve esforços para silenciar Latimer. Uma comissão foi criada para investigar o seu caso e, embora suas decisões fossem inconclusivas, os eventos em Bristol foram críticos para o desenvolvimento inicial da Reforma Inglesa. Quando a poeira baixou, Latimer estabeleceu-se como um dos principais defensores da Reforma e logo estava ajudando Thomas Cromwell a espalhá-la por toda a Inglaterra.
Nos anos seguintes, a idolatria litúrgica da igreja inglesa do final da Idade Média foi sistematicamente desmantelada. Por toda a Inglaterra, as relíquias foram retiradas dos mosteiros, catalogadas e destruídas, ou enviadas para Cromwell. Na cidade de Bury St. Edmunds foram descobertos “os nabos com os quais São Lourenço foi assado, a faca de São Edmundo de Naylles, o canivete e as botas de São Tomás de Canterbury”, e da cidade de Bath veio “os pentes de Santa Maria Madalena, Santa Dorothy e de Santa Margarida”.
Um poeta anônimo contrário a Reforma lamentou o silêncio das “ruínas de Walsingham”, queixando-se de que “Sapos e serpentes mantêm suas tocas / Onde as palmeiras se aglomeram” e “O pecado está onde Nossa Senhora se sentou.” Da mesma forma nos cantões suíços, a Reforma foi marcada por surtos de iconoclastia e o esvaziamento de relicários, estendendo-se de Berna a Basileia, Neuchâtel até Genebra.
Como as grandes reformas de Ezequias e Josias, a Reforma Protestante foi, acima de tudo, uma purificação da idolatria – um despojamento dos altares.
Apesar de seu aparente foco na justificação pela fé, Lutero foi igualmente provocado pelas idolatrias da prática medieval e sua teologia. Em um ensaio estimulante, o teólogo luterano David Yeago argumentou que a questão-chave que desencadeou a “virada da Reforma” em Lutero não foi “Como posso encontrar um Deus misericordioso?” mas, “Como posso encontrar o Deus verdadeiro?”. Acima de tudo, Lutero queria erradicar a sutil idolatria espiritual de tratar Deus como um meio para o fim da própria satisfação espiritual.
Em última análise, argumenta Yeago, Lutero abordou este problema de uma forma que “ancorou [ele] mais profundamente do que nunca nas tradições do dogma, sacramentalismo e misticismo católicos.” Em particular, a virada de Lutero em 1518 girou em torno de sua luta para formular uma teologia sacramental coerente. Como diz Yeago, “a preocupação pastoral e primordial de Lutero em toda a controvérsia da indulgência era que as pessoas comuns estavam sendo enganadas sobre onde e como a graça poderia ser encontrada.”
Positivamente, Lutero queria direcionar os pecadores às ordenanças que o próprio Cristo havia estabelecido como os “lugares” de encontro com Deus. A promessa de Cristo de se comunicar com os fiéis por meios específicos respondeu às preocupações pastorais de Lutero e, simultaneamente, resolveu a questão da idolatria.
Yeago escreve que, depois de 1518:
“É a particularidade e concretude da presença de Deus que agora carrega o peso da tarefa de encerrar a idolatria; o verdadeiro Deus, que por definição não pode ser usado, é o Deus que se coloca à disposição como quer, aqui e não ali, na carne nascida de Maria e na especificidade da prática sacramental de sua Igreja, não nos bosques e altos consagrados por nossa especulação religiosa e interesse próprio.”
Lutero resolveu o problema teológico da idolatria apelando para a cristologia: Quem é o Deus verdadeiro? Aquele que se encarnou no ventre de Maria e nasceu em Belém, ressuscitou e subiu ao céu. Ele resolveu a questão da idolatria prática apelando a uma teologia sacramental fundada na palavra autorizada de Cristo: Onde ele pode ser encontrado agora? Onde Ele prometeu estar.
Em suma, durante a Reforma, a idolatria foi o problema. O alto sacramentalismo aliado a uma alta cristologia era a solução.
Isso, para dizer o mínimo, não é como a Reforma é caracterizada nos livros e púlpitos, mas essa dupla preocupação com a idolatria teológica e prática estava tanto no coração da Reforma Suíça quanto da Luterana, e a resolução de Calvino sobre essas questões foi a mesmo que a de Lutero. Entrelaçado com seu ataque satírico à idólatra veneração de relíquias, por exemplo, estava a insistência de Calvino de que as relíquias eram espiritualmente destrutivas pois direcionavam os pecadores para longe dos locais designados onde Cristo havia prometido se tornar disponível – na água, onde a palavra é aberta, na mesa, onde está a comunhão dos santos.
Somente reconhecendo essa preocupação subjacente pela idolatria e a centralidade da teologia sacramental na batalha da Reforma contra a idolatria, podemos compreender a unidade das dimensões doutrinária e prático-litúrgica da Reforma. Sem essa compreensão, a Reforma pode parecer um sofisma, um movimento de precisão preocupado em estabelecer as conexões lógicas entre fé, justificação e obras.
Com esse entendimento, a Reforma pode ser vista como foi: uma exumação de elementos fundamentais da fé cristã que foram enterrados por algum tempo sob montanhas de relíquias, imagens e teologia distorcida.
Peter J. Leithart
Fonte: www.theopolisinstitute.com
Tradução: Rev. Alan Kleber Rocha