Qual é o propósito da assembleia do Dia do Senhor? Por que vamos a um culto na igreja no domingo? Nossas pastorais dominicais nos convidam a refletir sobre o que a Bíblia ensina sobre o assunto. Na pastoral anterior, aprendemos que seria difícil provar pelas Escrituras que o propósito principal da assembleia corporativa quando se reúne para a adoração deveria ser produzir experiências religiosas e emocionais na vida dos que se reúnem.
Adoradores se reúnem para realizar ações, executar comandos dados por Deus, ainda que revestidos de fervor e alegria na presença do Rei. Portanto, a Palavra de Deus não nos ensina que a adoração deve ser avaliada de acordo com o efeito que pode ter ou não sobre os adoradores, mas se é “aceitável” ou não diante de Deus. A linguagem bíblica da adoração revela adoradores realizando ações diante de Deus, tais como: Ofertando (Salmo 4.5); Prostrando-se (Isaías 49.7); Confessando (Salmo 32.5); Ajoelhando-se Salmo 95.6); Cantando (Salmo 95.1); Trazendo presentes em suas mãos (Êxodo 25.1, 2).
Visto que existem pelo menos quatro perspectivas populares sobre o propósito do culto no Dia do Senhor, hoje estudaremos sobre a quarta e última perspectiva bastante presente nas igrejas evangélicas brasileiras sobre o que fazemos no domingo quando nos reunimos para a adoração.
Adoração como Louvor ou Exaltação?
Temos considerado tendências proeminentes nas igrejas contemporâneas com respeito ao propósito do culto dominical. Até agora, identificamos três propósitos possíveis: evangelismo, educação e experiência. Se alguém quisesse estender a assonância mnemônica, a palavra “exaltação” poderia funcionar: evangelismo, educação, experiência, exaltação.
A partir desta perspectiva, o propósito da adoração é reunir e louvar a Deus com o propósito de exaltar o seu santo nome. Igrejas que enfatizam o louvor como o objetivo da adoração podem chamar seus cultos de “celebrações”. Sem sombra de dúvida, existem inúmeras passagens bíblicas que chamam os crentes a “atribuir” ou “dar ao Senhor a glória devida ao seu nome”, e, todas elas podem ser organizadas em apoio à verdade de que o serviço corporativo é um serviço de louvor:
“Tributai ao SENHOR, filhos de Deus, tributai ao SENHOR glória e força. Tributai ao SENHOR a glória devida ao seu nome, adorai o SENHOR na beleza da santidade” (Salmo 29.1-2).
“Tributai ao SENHOR, ó famílias dos povos, tributai ao SENHOR glória e força. Tributai ao SENHOR a glória devida ao seu nome; trazei oferendas e entrai nos seus átrios” (Salmo 96.7-8; 14)
“Louvar-te-ei, SENHOR, de todo o meu coração; contarei todas as tuas maravilhas… para que, às portas da filha de Sião, eu proclame todos os teus louvores e me regozije da tua salvação” (Salmo 9.1, 14).
Conquanto, esta quarta concepção de adoração se aproxime e muito do que buscamos, ainda não é a perspectiva mais adequada para expressar a plenitude da adoração bíblica. Certamente existem inúmeras passagens que nos exortam a “Louvar ao Senhor” e a “adorá-lo”. Entretanto, devemos observar com cuidado que em muitos casos a palavra “adoração” não nos serviu muito bem.
Como assim? A expressão “adoração” não é a tradução mais precisa das palavras usadas na Bíblia para designar os mandamentos de “curvar-se” ou “prostrar-se” diante da majestade de Deus. Vejamos por exemplo o Salmo 95.6, traduzindo a palavra hebraica שׂחה shachah ( 1. inclinar-se, 2. deprimir (fig.), 3. inclinar-se, 4. prostrar-se diante de superior em deferência, diante de Deus em adoração, diante de deuses falsos, diante dum anjo) de forma mais precisa:
Versão Almeida Revista e Atualizada:
“Vinde, adoremos e prostremo-nos; ajoelhemos diante do SENHOR, que nos criou”.
Tradução livre:
“Vinde, curvemo-nos/inclinemo-nos ( שׂחה, shachah) e prostremo-nos; ajoelhemos diante do SENHOR, que nos criou”.
Impressionante, não? Por exemplo, quando somos chamados a nos “prostrar” diante de Deus, isso não corresponde exatamente ao modo como usamos a palavra “adoração” na cultura moderna, por duas razões bem óbvias:
1. Primeiro, porque a maioria dos cristãos protestantes no Brasil não adora a Deus prostrado de joelhos ou com o rosto no chão.
2. Em segundo lugar, e isso é mais revelador, o fato de prostrar-se diante de Deus significa deixar-se erguer por ele, é entregar-se ao serviço do Senhor. Veja Daniel 8.17-18:
“Veio, pois, para perto donde eu estava; ao chegar ele, fiquei amedrontado e prostrei-me com o rosto em terra; mas ele me disse: Entende, filho do homem, pois esta visão se refere ao tempo do fim. Falava ele comigo quando caí sem sentidos, rosto em terra; ele, porém, me tocou e me pôs em pé no lugar onde eu me achava.”
Com efeito, cair diante de Deus nos coloca na posição de sermos servidos por Deus e não de servirmos a ele. Muito mais, portanto, está acontecendo nessas passagens do que meramente atribuir “valor” ou “louvor” a Deus. Muitas vezes, dar louvor ou glorificar a Deus é colocado contra a expectativa do adorador de receber qualquer coisa de Deus na igreja.
Por essa razão, a unilateralidade da “adoração como louvor”, isto é,a afirmação super-espiritual de que “nos reunimos simplesmente para louvar a Deus sem interesse no que podemos obter Dele”, não somente é antibíblica, mas também pode facilmente escorregar para a arrogância doxológica.
Pastores e teólogos reformados são particularmente vulneráveis a essa distorção do propósito do culto. O slogan “nós nos reunimos para adorar, para dar e não para receber algo de Deus” tornou-se uma espécie de sibolete reformado. Adoramos bater na cabeça dos carismáticos e de outros com isso. Nos faz sentir superiores (como se não fôssemos à igreja porque precisamos de alguma coisa!). E assim, dizemos: Nós, cristãos reformados, vamos à igreja para dar glória e honra a Deus, não para obter algo dele. Porém, esse tipo de pensamento é extremamente perigoso, pois o nosso culto jamais deve ser movido pelo desinteresse.
Como seres criados por Deus, não pode haver “louvor desinteressado”. Simplesmente não podemos amar ou louvar a Deus pelo que ele é, sem reconhecer o que ele nos deu ou o que continuamos a receber de suas dadivosas mãos. Nós não somos seus iguais. A noção de que o puro amor e a verdadeira adoração a Deus só podem ser dados quando não se misturam com todos os pensamentos do que recebemos não tem base bíblica.
De fato, tudo isso soa muito espiritual e piedoso. Até parece auto-negação. “Nós só queremos te louvar por quem Tu és, Deus. Nós Te amamos e Te louvamos, ó Deus, não pelo que recebemos de Ti, mas apenas por quem Tu és”. Contudo, na verdade não existe tal adoração na Bíblia pelo simples fato de que não podemos nos aproximar de Deus como seres desinteressados e auto-suficientes. Somos seres criados. Somos criaturas dependentes. Somos seres que devem continuamente receber de Deus nossa vida e redenção.
Concluindo, nossa “adoração” a Deus necessariamente envolve nossa recepção passiva de seus dons, bem como nossas ações de graças e petições ativas. Não podemos fingir que não dependemos dele. Sempre seremos receptores e peticionários diante de Deus. Nossa postura receptiva é tão inerradicável quanto nossa natureza como criaturas dependentes do Criador. No culto de renovação pactual nos colocamos em posição de sermos servidos por Deus.
Reconhecer isso é a verdadeira espiritualidade. Abrir-se à necessidade do serviço de Deus é o primeiro movimento em nossa “adoração”, na verdade, o pressuposto de toda adoração corporativa e pactual. É a postura da fé diante de nosso Senhor todo-suficiente e beneficente. E o louvor e a exaltação? Seguem depois disso e sozinho nunca podem ser o propósito exclusivo de nossa reunião no Dia do Senhor.
“Vinde, curvemo-nos e prostremo-nos;
ajoelhemos diante do SENHOR, que nos criou”.
Rev. Alan Kleber Rocha