A Mesa da Comunhão no Protestantismo Clássico Reformado

Após a Reforma Protestante, o tema de selar ou confirmar o pacto quanto ao entendimento da Ceia do Senhor seguiu o curso da história do povo pactual entre os puritanos da Nova Inglaterra e os presbiterianos da América ao longo dos séculos 17 a 19. Quer a comunhão fosse administrada anualmente, como entre alguns escoceses, trimestralmente, como com outros, ou mensalmente, como entre os puritanos da Nova Inglaterra, os cristãos reformados passaram a entender que, se fossem fazer negócios com Deus, estes aconteceriam à Mesa.

Se alguém fosse incrédulo, a reconciliação com Deus seria consumada em sua Mesa. A Ceia, por sua vez, era um lembrete pungente de que alguém estava fora da família pactual de Deus e excluído de suas provisões salvadoras. Se alguém fosse um filho da igreja batizado na infância, mas não comungante, a confirmação ou profissão de sua fé ocorreria à Mesa. Para tal, a Mesa do Senhor era um lembrete de que, apesar de ser filho do pacto, este tinha negócios inacabados com Deus e que, portanto, precisava urgentemente resolvê-los.

Se alguém fosse um cristão desviado, uma nova consagração ocorreria à Mesa. A Mesa cercada, excluindo os impenitentes, era como um divino tiro de canhão sobre o arco, avisando para o cristão se acertar com o Senhor. Se alguém fosse um crente fiel, a reafirmação pactual com Cristo aconteceria à Mesa. Para isso, a Mesa era uma refeição espiritual abençoada, um lembrete dos dons da graça e da comunhão com o próprio Cristo ressuscitado. A Mesa era chamada de altar reformado. Ali estava alguém para lidar com Cristo, pois ali estava Ele presente, ali era Ele mais claramente visto, e ali Ele fazia seu convite para “tomar e comer”, para “beber dele” e desfrutar de seus benefícios.

Comunhão em torno da Mesa

A abordagem puritana sobre a Ceia do Senhor

O tratamento pastoral clássico da comunhão pactual é maravilhosamente discutido na obra The Communicant’s Companion (O Companheiro Comungante), do famoso puritano, Matthew Henry, publicado pela primeira vez em 1704.1 Nessa obra, o famoso Ministro Presbiteriano inglês fornece uma definição agostiniana padrão de sacramento: “É um sinal, um selo externo de uma graça interior e espiritual”. É “uma parábola para os olhos”2.

O sacramento não é apenas um sinal, mas também um juramento, “pelo qual ligamos nossas almas com vínculo ao Senhor”3. Ao participar da Ceia do Senhor, a “negociação” feita com Deus em seu Evangelho é ratificada e aperfeiçoada.4

Henry explica como funciona essa “negociação” do cristão com seu Senhor:

“O que Deus é em si mesmo, Ele será por eles para o seu bem. Sua sabedoria é deles, para aconselhá-los e orientá-los; seu poder é deles, para protegê-los e apoiá-los; sua justiça é deles, para justificá-los; sua santidade é deles, para santificá-los; sua bondade é deles, para amá-los e supri-los: sua verdade é a segurança inviolável da promessa; e sua eternidade a perpetuidade de sua felicidade. Ele será para eles um Pai, e eles serão seus filhos e filhas, dignificados pelos privilégios da adoção e distinguidos pelo Espírito de adoção”5.

De nossa parte, “por esta ordenança selamos com Ele, a fim de sermos para Ele um povo”.6

Henry prossegue em sua reflexão sobre o tema:

“Aceitamos a relação por nossa escolha e consentimento voluntários, e ligamos nossas almas com um vínculo, que nos confirmaremos a Ele nesta relação. Por meio deste, renunciamos, entregamos e consagramos todo o nosso ser, corpo, alma e espírito, a Deus, Pai, Filho e Espírito Santo, fazendo um pacto e prometendo que, por sua força, o serviremos fielmente e caminharemos juntos com Ele em todos os tipos de obediência ao Evangelho todos os nossos dias. Reivindicando as bênçãos do pacto, nos colocamos sob os laços do pacto. Ó Senhor, verdadeiramente sou teu servo, eu sou teu servo; totalmente, e somente, e para sempre teu. E este é o significado deste serviço”.7

Este é o cerne do entendimento do puritano Matthew Henry, e ele desejava que este entendimento moldasse nossa aplicação pastoral do Sacramento da Ceia do Senhor. Os incrédulos devem ser exortados a entrar no pacto. Os crentes decaídos devem ser instados a renovar o pacto. Os jovens batizados na infância devem ser exortados a vir e “selar” o pacto, ou “ratificar seu batismo”, ou “cumprir o pacto”, ou “ser cristãos completos” vindo à Mesa do Senhor.9 “Venha então”, diz ele, “e sele o seu pacto com Deus.”10

Sua exortação não trazia apenas uma abordagem negativa, apontando o pecado da negligência, mas positivamente, destacando os benefícios a serem obtidos pelo cristão quando este se aproximava da comunhão pactual: “Embora muitas vezes estejamos em tentação, temos necessidade de muitas vezes renovar os nossos pactos com Deus, buscando forças do céu para nossos conflitos espirituais.”11

Novamente ele diz: “Tu encontrarás tempo, tão ocupado quanto és, para comer e beber, dormir e conversar com seus amigos; e não é o alimento da tua alma, não é o repouso em Deus e a comunhão com Ele, muito mais necessários?”12

“Buscar força” e obter “alimento” para a alma são benefícios que não devem ser negligenciados.

Através de sua obra, Matthew Henry ensinou que a ratificação do pacto na Ceia do Senhor se torna o meio pelo qual todo o espectro de potenciais membros comungantes, deve ser abordado. Autoexame, confissão de pecados e “resoluções piedosas” particulares e “reflexões penitentes” devem ser instados para todos.

Como característico dos pastores puritanos, Henry instava sobre a necessidade de que o povo de Deus tivesse uma comunhão mais “frequente” junto à Mesa do Senhor, assim como fizeram os teólogos da Assembleia de Westminster, o que para ele significava pelo menos uma vez por mês. Sobre isso, ele afirmava: “Não sei por que devemos negligenciá-la em qualquer mês”13.

A “triste experiência” de ver as piedosas afeições dos crentes esfriarem ensina que:

“Temos, portanto, necessidade de celebrar frequentemente o memorial da morte e dos sofrimentos de Cristo, pois nada pode ser mais comovente para um cristão, nem mais adequado para elevar e refinar os pensamentos.”14

Conclusão

Portanto, a Mesa da Comunhão, no Protestantismo Reformado Clássico, torna-se o ponto focal da vida espiritual da congregação, pois em cada ocasião os presentes são instados a se preparar para ratificar ou renovar o pacto por meio do autoexame, da confissão de pecados e de uma nova consagração.

Após a participação da Ceia do Senhor, os crentes devem olhar para o último serviço da Comunhão. Nas palavras de Matthew Henry: “devemos considerar quais foram nossos caminhos desde a última vez que renovamos nossos pactos com Deus em sua Mesa”. Por causa do intenso processo de preparação para a Mesa do Senhor, por causa do pacto que ali é ratificado, por causa do alimento espiritual que é ali recebido, e por causa da comunhão com Cristo ali desfrutada, a Mesa do Senhor ocupa um papel central na vida de fé de uma igreja reformada.

Então, “tome e coma”, “beba dele” e desfrute de todos os benefícios de seu Redentor glorioso!

Em Cristo, nosso Cordeiro pascal,

Rev. Alan Kleber Rocha

Notas:

1 Matthew Henry, The Communicant’s Companion, in Works, vol. 1, 284-428; Horton Davies define essa obra de “A declaração mais completa da doutrina puritana da Ceia do Senhor” (Worship of the English Puritans, 212).

2 Henry, The Communicant’s Companion. 285.

3 Ibid.

4 Ibid, 296.

5 Ibid.

6 Ibid, 297.

7 Ibid.

8 Ibid, 311.

9 Ibid, 300-301.

10 Ibid, 305.

11 Ibid, 306.

12 Ibid, 307.

13 Ibid, 306.

14 Ibid.

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