Por R. J. Rushdoony

Diante de inimigos, de um futuro incerto e escolhas morais difíceis, Davi orou fervorosamente:

“A ti, SENHOR, elevo a minha alma. Deus meu, em ti confio; não seja eu envergonhado, nem exultem sobre mim os meus inimigos. Com efeito, dos que em ti esperam, ninguém será envergonhado; envergonhados serão os que, sem causa, procedem traiçoeiramente. Faze-me, SENHOR, conhecer os teus caminhos, ensina-me as tuas veredas. Guia-me na tua verdade e ensina-me, pois tu és o Deus da minha salvação, em quem eu espero todo o dia”. (Salmo 25.1-5)

Tendo sido criado não apenas por Deus, mas à imagem de Deus, o homem vive em termos de um propósito inescapável que é básico para o seu ser. O homem foi criado para servir e glorificar a Deus e se tornar um cidadão trabalhador do Reino de Deus.

Em virtude de sua criação, o homem, portanto, tem uma dada natureza. Essa natureza a Queda não pode alterar. A Queda é um fato moral, não metafísico. O homem caído não pode fugir da natureza de seu ser. Ele é criatura de Deus, criado à sua imagem. Sua rebelião moral contra Deus não altera o ser do homem; simplesmente perverte seus objetivos. Assim, para afirmar a questão teologicamente, o homem caído substitui a escatologia de Deus por sua própria escatologia centrada em si mesmo.

A Escatologia é definida pelo dicionário como o ramo da teologia que “trata da morte, ressurreição, imortalidade, o fim do mundo, o julgamento final e o estado futuro”. A raiz da palavra é eschatos, “por último”. Esta definição é precisa, mas limitada. A escatologia é muito mais do que uma preocupação com o fim ou os últimos tempos. A escatologia estabelece a meta do homem e da história sendo, portanto, inseparável do propósito.

Portanto, a escatologia é uma preocupação prática muito intensa. Perguntas como: Por que estou aqui? Qual é o significado e propósito da vida? O que devemos fazer e por quê? E, como tudo isso vai acabar? Tudo tem a ver com escatologia.

A escatologia do homem caído é humanista, criada e centrada no homem. Ele busca dar significado a um mundo sem sentido, para estabelecer uma linha tênue de significado contra o caos e o vazio. Não é de surpreender que as escatologias humanistas terminem em desespero. Não tendo nenhuma doutrina teísta da Criação, o homem começa e termina no vazio. Novamente, não tendo nenhuma doutrina da Providência, suas esperanças escatológicas mais brilhantes operam contra a frustração da realidade bruta e sem sentido.

Frequentemente, sob premissas bíblicas emprestadas, escatologias humanistas florescerão brevemente. Assim, a crença no progresso era uma versão secularizada da doutrina da Providência e floresceu por um tempo com esse capital emprestado. Com o tempo, obviamente, ficou claro que qualquer crença no progresso, sem a pressuposição do Deus das Escrituras, é sem raízes e fútil, e a fé diminuiu consequentemente.

As escatologias humanistas aparecem regularmente como a grande esperança do homem decaído, mas, no devido tempo, dão lugar à derrota e ao desespero. Socialismo, Estado, educação pública, sociologia, psicoterapia e muito mais, têm sido instrumentos escatológicos projetados pelo homem decaído para inaugurar o milênio humanista. Estes não são o primeiro nem o último desses instrumentos. Certamente, a revolução sexual e o existencialismo foram escatológicos e suas promessas às vezes extravagantes.

O homem requer um objetivo válido: a imagem de Deus dentro do homem ordena seu ser e requer que ele se mova de acordo com os propósitos ordenados por Deus. Agostinho, por experiência própria, viu isso, como deixou claro em suas Confissões: “Nossos corações estão inquietos até que descansem em Ti”. Francis Thompson, em “The Hound of Heaven”, fez a mesma conclusão, que foi apresentada obviamente pela primeira vez, no Salmo 139 por Davi.

A Criação tem um propósito, e este é ordenado por Deus e está escrito em sua própria natureza, de forma que toda a Criação, orgânica e inorgânica, se mova em termos desse propósito. Paulo, em Romanos 8.19-23, deixa isso claro. Qualquer desvio dessa meta escatológica, desse propósito, é morte. O pecado, como o desvio do homem, da escatologia de Deus para uma escatologia feita pela criatura, é portanto, claramente a morte. Portanto, a Criação é inseparável da Escatologia.

O mesmo é verdade para a Providência. Toda a providência de Deus se move em termos de seu propósito glorioso e eterno. Assim, as declarações da Escatologia não podem ser separadas das afirmações de cuidado providencial que as Escrituras apresentam. Por exemplo, no Salmo 34.7, lemos: “O anjo do SENHOR acampa-se ao redor dos que o temem e os livra”, e no Salmo 91 temos um comovente relato do cuidado providencial de Deus por seu Filho, Jesus Cristo, e de nós nele: “Porque aos seus anjos dará ordens a teu respeito, para que te guardem em todos os teus caminhos” (Salmo 91.11).

O cuidado do Senhor com seu povo pactual não é por causa deles, mas por causa de sua aliança e para seus propósitos eternos. Isso é escatológico. Não há outra causa no universo que seja última e determinante do que o Deus Triúno e seu Decreto Eterno. Os objetivos da providência não são centrados no homem. Em vez disso, é o próprio homem, voluntariamente ou não, que é centrado em Deus. O ser do homem é, portanto, governado pela escatologia de Deus.

Davi, a fim de entender melhor os propósitos de Deus e seu próprio lugar neles, orou: “Dá-me a conhecer, SENHOR, o meu fim e qual a soma dos meus dias, para que eu reconheça a minha fragilidade” (Salmo 39.4). Davi orou para que pudesse se lembrar de si mesmo como uma criatura frágil. Frágil, no hebraico chadel, significa fraco, rejeitado. Davi vê seu próprio ser como quebrado; na melhor das hipóteses, ainda é frágil, e nenhum propósito do homem pode suplantar o propósito de Deus. Portanto, a oração de Davi não é governada por qualquer retraimento neoplatônico, mas pelo desejo de servir a Deus nos termos de seu propósito. A escatologia do Senhor e não a escatologia do homem, deve nos governar. Portanto, David diz:

“Com efeito, passa o homem como uma sombra; em vão se inquieta; amontoa tesouros e não sabe quem os levará. E eu, Senhor, que espero? Tu és a minha esperança” (Salmo 39.6-7)

As escatologias dos homens são uma “demonstração vã”. Todas as suas realizações e riquezas são anuladas pela morte, e outro homem reúne seus trabalhos. A esperança de Davi, no entanto, está no Senhor, cujos propósitos somente prevalecem.

O objetivo da história, o significado da escatologia, não pode ser buscado dentro da história, mas apenas em Deus. Nem o judeu, nem a igreja, nem o milênio, são os objetivos da obra de Deus, mas apenas Ele mesmo e seu Reino eterno. O propósito de Deus na história excede em muito a salvação do homem ou dos judeus. Ele é enfático: “Eu sou o SENHOR, este é o meu nome; a minha glória, pois, não a darei a outrem, nem a minha honra, às imagens de escultura” (Isaías 42.8).

Se nossa doutrina da Criação está enfraquecida, então nossas doutrinas da Providência e da Escatologia estão enfraquecidas. A Palavra de Deus é uma vestimenta contínua; rasgar qualquer parte dela é prejudicial a tudo isso.

Extraído de Systematic Theology in Two Volumes, p. 164f

Fonte: Chalcedon.edu

Tradução: Rev. Alan Kleber Rocha